Friday, March 21, 2008

Sangue, seda e chocolate

Quem não sabe a maior distância possivel entre um coração e um cérebro humanos? Refiro-me às peças vivas e pertencentes ao mesmo naco de gente. Pois não há cérebro capaz de manter-se vivo atuando mais do que meia centena de centimetros longe da bomba que lhe toca combustível.

Digo isso para ilustrar que embora a natureza não seja, por natureza, sábia, os fatos que a conformam tem rigor matemático. Mas o imponderável pulula e desafia a severidade natural. Um mais um é dois e dois é maior do que um. Algo bom com algo bom, há de ser coisa melhor. Seda natural é estrutura agradável de tocar. Uma blusa de seda recheada de Anna Hickmann há de ser ao menos duplamente mais aprazível.

Contudo, como referi acima, armadilhas existem nas dobras da precisão. Em época de Páscoa, é possível ver propostas reconciliações bizarras. Há quem postule, por exemplo, unir espaguete a molho de chocolate. Só a menção já traz náuseas. Então, bom com bom não é, necessariamente, bom pra caralho.

Thursday, March 20, 2008

O falso ex-"doutor"

É sábado. Está com a família na serra.
De carro, se aproxima do restaurante escolhido para almoçar: um lugar muito agradável e de boa mesa, perto do centro da cidade.
Quando reduz a velocidade em busca de uma vaga improvável, um guardador uniformizado vem em sua direção.
Abre o vidro.
- Vai ao restaurante? - pergunta o homem.
- Sim. - responde.
O guardador olha ao redor, procurando uma vaga inexistente.
Retorna o olhar para dentro do carro e, subitamente, exclama:
- Doutor! Só agora o reconheci!
Olha para o homem, que mira seu rosto pelo vidro aberto. O "doutor" era mesmo ele.
- Entra na garagem!, diz o guardador, apontando para um prédio ao lado.
E continuou:
- Eu cuido deste prédio, doutor. Vou lhe deixar estacionar numa vaga - complementou, abrindo o portão elétrico com o controle.
O “doutor” deixa os acompanhantes descerem, entra na garagem e estaciona.
Saem da garagem conversando, como velhos conhecidos.

Após o almoço, degustando o expresso, o “doutor” reserva alguns instantes para decidir como será o final da sua relação com o guardador. Não era algo tão simples. Ele era o "doutor" e pelo sorriso e gentileza oferecidos ao ser "reconhecido" ficara com a certeza de que o doutor costumava oferecer ao homem gorjetas generosas pelos serviços. Quanto deveria dar? O normal? O dobro? 20 vezes? Até mais, pensou. Se o "doutor" fosse um ricaço realmente generoso, certamente oferecia muito mais. Alguns ricos são pessoas excêntricas ao extremo. Lembrou do garçom Jose Costa, do L'Hotel, em São Paulo. Uma feita, ganhou US$ 1.000 de um hóspede satisfeito. Exemplos do tipo havia outros e ainda maiores. Não era uma decisão assim simples. Tinha que ser bem pensada, pra não alcançar uma quantia que parecesse ridícula.

Ao sair do restaurante, o homem veio em sua direção. Puxou conversa sobre o almoço, antes de abrir o portão da garagem. Adentraram. Pouco antes de entrar no carro, enquanto entregava a gorjeta habitual destinada aos guardadores de carros, o “doutor” se aproximou o suficiente para que pudesse segredar ao guardador:
- Estou praticamente falido!