Thursday, December 31, 2009

Por Favor.







Em dois mil e dez,


por favor,


metam as mãos pelos pés.


Saturday, October 03, 2009

As Duas Juntas



O serviço não é dos maiores nem inédito. Já fizeram isso juntas e não só para esse cara. Mas está frio e ele as quer nuas.

Estão para fazer a vontade do cara não importa o que sintam. Importa o que ele sente. As duas se conhecem a muito, se entendem, advinham. Frequentemente prestam serviços adicionais sem que ele nem mesmo perceba. Sem custo, sem comando.

Têm que enfrentar o frio, ele quer assim. Vai ser com água e sabão. A pegada é simultânea. Lambuzadas de sabão, arrepios e água fria pegam nele. O gosto é quente, roçar ali é bom. Poderia ser para sempre, sem se tocarem acariciam. Um lado e outro.

A pressa maior é a dele, se satisfaz e marca isso com um “aah!” alto e para ninguém. Dúbia saudação ao tempo em que vai ficar sem fazer novamente. Elas agora compartilham a mesma toalha e se aproximam. Esfregam vigorosamente. Conseguiram. O rosto está lavado.

Sunday, September 27, 2009

A Faca de Corte Quadrado - O Caso se Complica.



Estar fazendo nada é um bom objetivo de vida. Não importa se na praia ou lugar qualquer. Os momentos de solidão verdadeira, sem pensamentos pretensamente úteis, só besteira. A luz que dança na pálpebra fechada. Qual a sensação produzida pela textura do tecido da roupa que toca e roça a pele, essas coisas que, por importância nenhuma tem a máxima.

Assim que um dos modos de estar fazendo nada é contar o que vejo, aqui. Um jornal de bairro sem expressão outra que um bom dia mais caloroso de alguém que citei por acontecer de passar na minha frente. Faço isso muito. Meu posto de observação é o deck frontal de uma padaria. Café, cigarros, às vezes pão. O importante é o café e o cigarro. Vários até acabar a dose de cafeína.

Poucas vezes acontece coisa que valha a pena sem os enfeites de que isso e que aquilo, horizonte bonito, dia chuvoso, dia de sol, enfim, o comum em qualquer papo que é esta a minha conversa. Sozinho. Conversando coisas que a garota da loja de frente (casada, me parece), linda, nem sonha ouvir de alguém. E os passantes. O bebum que volta e meia dá uma incerta aqui em casa e rouba trecos que já iriam fora. Fica no bar da esquina, quando me vê entrar no ônibus, entende que a casa está sozinha. Sabe que não tem cachorro, vem e tenta entrar. Não consegue. Quebra um vidro e pega o que alcança. Sempre mixaria, sempre incomoda.

Mas não era isso. Pensava nos tipos, nas vidas em volta dos tipos. A moça linda da loja de frente deve ser casada com o mecânico eletrônico e os dois devem ser donos da loja. Têm um carro Eclipse. Total fora do que parece poder pagar. Construí esse passado: ele ganhou num bingo. A primeira vez que vi o tal carro era tempo de prêmio desses em bingos. Não recordo o que era ali antes da eletrônica. Então: são casados, trabalham juntos e resolveram ficar com o carro (caríssimo) porque nunca mais poderiam ter um troço daqueles.

É assim que rola, aplico histórias sobre pessoas reais. Recrio partes de passados de modo a que possam resultar nos personagens que hoje se apresentam. Depois me estendo mais sobre a Moça Linda e o Cara com o Eclipse. Quero explicar que não costumo falar sobre quem não é habitual no meu pedaço. Tem muito turista, gente que chega não é novidade. Sempre tem turista turistando. É chatíssimo. Turista empesta tudo. Nativos também. Territórios deveriam ser por direito de conquista. A política do chega, expulsa ou come, cerca e mantém. De certa forma é o que faço e nem chove dentro. Minha caverna é ótima.

Mas há os que se tornam habituais de imediato. Passou batido, mas me ocorreu que pode ser teatro. Excelente, mas teatro. Gostei direto. Simpático na medida, não muito efusivo, mas chamativo por natureza. Vi que entrava na padaria. Cena comum. Voltei ao café, evitei o próximo na sequência de cigarros e tudo atrás mim explodiu em gargalhadas como há muito não se ouve. Certamente uma apresentação do Monty Python. Não era. Era o Gago.
Chegou de bicicleta. Uma coisa apodrecida, modelo ninguém rouba. Na entrada, com a voz de quem recentemente quebrou o nariz, declarou (dois ou três fregueses, eu no deck de onde nada ouvi, duas atendentes mais o caixa):

- Nã mii impoto que riiam di bim, é tri tri tri iengrraççado, ttambbém acho-cho. Ga-gago eu so-sou! Bais fanho não!

Uma figuraça. Um aposentado super engraçado. Médico ginecologista. Uma puta casa. Das maiores do bairro e não tem carro. Diz que não “brecicisa”. O doutor não apenas parece gago como nunca deixou de ser fanho, embora não admita e fique fu-furii iii e isso na bra-abesa não sai. Todos riem, ele também. Resulta que ficou conhecido como o gago que não é fanho.

Friday, September 18, 2009

A Faca de Corte Quadrado IV

Claro que tem a poética e o imaginário a respeito de médico de clube, aqueles de exame médico. Como, em tempos, com aeromoças. Algo deve acontecer ali. Porque a gata tal, fulana outra, madame aquela entram sozinhas? Isso entre hipotéticas surubas. Sonhos de invejosos na fila. Joe sabia que não era assim.

Não tinha sido médico. Nem perto disso, mas fora aluno de uma escola de medicina e dera plantão como médico de clube. Das mulheres? Sim. Algumas sensacionais. Mas fazer o quê? Bater papo a respeito da fila que hurra por mostrar as frieiras? E as muito horríveis? E pior: muita piroca. Porque “isso” tinha de olhar e nuas, xoxotinhas não. Péssima experiência. Traumática. A vida de estudante tinha sido toda ela traumas sucessivos. Mas seria médico aposentado morando bem, mas sem carro. Só bicicleta.

Seria também fanho. E gago. Uma só tirada para captar audiência: - Ga-gago, s-sim! Fa-fanho n-não! O resto da piada vinha por si. A atuação necessária para convencer que era mesmo fanho e gago, entre gargalhadas gerais, ninguém esqueceria. Óculos de sombra muito escuros permitem que não mostre a cor dos olhos. Joga dominó e às vezes xadrez, mas perde seguidamente. Faz parte do ser simpático.

Um apartamento ou casa em condomínio fechado teria sido mais prático. Mas trata-se de arte, tem de ter o estilo evidência evanescente característico de Joe. Está na cara quem fez, mas quem é esse tal que fez? Onde está?

Quando haviam investigações e a algo ia para os jornais Joe ficava tentado a ajudar e ria muito. Mais que o normal. Joe era um sujeito brincalhão, divertia-se com tudo. Um cara maduro aproveitando mais cedo o lado infantil da senilidade.
Casas com visibilidade direta eram inúteis. Bastaria estar perto da residência do alvo. Questão de ir ver e escolher a casa. Tudo divertido. Tudo mágico, tudo falso. Ficaria mais um tempo sem sanduiches de pão redondo.

Monday, September 14, 2009

A Faca de Corte Quadrado III

Obstinado, mas cauteloso, Joe cria e veste identidades como um médium incorpora. Pessoas usam máscaras sociais e isso é perfeitamente aceitável. Cínico, mas não perverso, sabe disso e o primeiro que faz é demonstrar claramente acreditar que o teatro do outro é real. Isso faz partidários que só têm a ganhar em apoiar o disfarce que Joe usar, qualquer seja.

Integrar-se a paisagem, ser comum. É novo no prédio, mas conhece o bairro. Parece que sempre esteve na padaria. Joe não aparenta a idade que tem. Joe não aparenta nada, mas optou por uma onda atlética. Aprimorar a forma física observando as servidoras da casa, com o passar do tempo, comendo alguma. A infiltração clássica. O aposentado na bicicleta costumeira integra fácil na paisagem.

Aposentado de quê? Joe foi muitas coisas, inclusive ladrão, assassino, e é interessado nessa onda. Um artista. Não mata milhões na cara dura, como os políticos, de uma forma ou de outra fazem. Dedica-se a um tipo específico. Políticos.

Como faz por amor a arte, nunca se inclui no rol de suspeitos. Age em completa segurança. É um acidente de percurso. Um agente do acaso. Quem na verdade era o aposentado simpático que esculpia homenzinhos em pedra sabão e estava sempre de bicicleta? Os indícios encontrados na casa implicariam outro político qualquer fosse o método. As investigações parariam ai. Fatos como esse explodem na primeira página e imediatamente desaparecem. Brilham para ofuscar.
Mas assassinar não aposenta ninguém, tem de ser outra coisa.

A Faca de Corte Quadrado II

Veio devagar, uma sensação de indefinível perigo, desagrado. Como se fosse inevitável ficar descalço e a meia, miserável, indesculpavelmente furada. Tirar sapatos em público sempre faz sentir cheiro de tênis. Sabe que não pode ser dele, mas vão pensar que é. Joe também sabe que é psicopata, foi ai que caiu em si.

Tudo bobagens. Do mais tenro começo. Erros sucessivos. Foi pego num Largo Engano. Aceitar um serviço tão estúpido por prazo indefinido o jogara na armadilha. Cumprir com a palavra custou a vida ao pobre e a ele problemas, um tornozelo luxado, um andar cocho talvez para sempre. Joe nunca tinha nada, saúde de ferro, apenas imaginava o pior. Como não era adivinho, não acertaria. Usava o pessimismo como uma espécie de seguro.

O gesto hábil, o instante exato em que o outro lado deve ser exposto a chama (para que o pão doure, esquente, derreta o queijo o suficiente para que incorpore o orégano, mas não queime, vários movimentos por sanduíche) numa sandicheira quadrada, deu a dica. Estava delirando.

Claro que os sanduíches podiam ser de pães franceses de 50gr comuns. Os cassetinhos. A origem de tudo havia sido um deles. Mais largo que o normal, mas ainda nitidamente elíptico, já meio seco. Atributo sem importância, o processo recupera o paladar e o farelento vira crocância (esse o segredo). Pãozinho, uma fatia de mortadela redonda e outra de queijo exata. Com a mortadela para baixo a grande moeda fica no fogo baixo até derreter o queijo. O pão é cortado e aberto, a moeda é emborcada dentro e tudo volta para a frigideira redonda. Até dourar.

É isso. Ele só piorou da cabeça. Para adaptar cassetinhos a friguideira redonda, só precisa cortar as pontas e comê-las com manteiga. Um tipo de entrada.

Vai ter de dar um jeito. Cavar não tira ninguém do buraco. Largar a pá é atitude sábia. Não vai mais trabalhar por algum tempo. Por via das dúvidas, desaparecer total. Como algo terá fazer e pode escolher qualquer coisa, entre mar quente e mordomias associadas, opta por caçar um político escolhido ao acaso e matá-lo. Sempre é um ladrão a menos e dá a chance (Joe escolhe entre os que sustentam diretamente a muitos) a que os filhos cresçam longe de pelo menos um patife. No caso, a maior influência. Pode que cresçam honestas.

Tanto pode ser qualquer um que Joe decide por um estado vizinho. Nunca esteve lá. Questão de estudo. Método. Resolver quem ser, como se apresentar, como chegar.

Friday, September 11, 2009

A Faca de Corte Quadrado.

Andava tenso. Joe Notebook não era disso, mas os últimos acontecimentos não foram conforme esperava e, além disso, não conseguia achar pães redondos. Voltara para a serra, para a calma, um lugar onde era apenas mais um morador sazonal com conta corrente na zona e muita conversa jogada fora jogando truco. Nem sempre perdia e achava isso bastante estranho. O sotaque italiano carregado, estudado e puxado para o ridículo fazia com que todos o lembrassem. Um espertinho o chamara de Mussolini, ele rira. Uma casquinada horrorosa, chamativa. Nunca mais chamaram por outra coisa. Mussolini, o da casa que brilha. Mussolini, do jipão verde sujo.

A casa redonda era assim desde décadas. Não tem com a mania por pães redondos. Comprara redonda e redonda ficaria até que outros a demolissem. A varanda, toda a volta, vidro. Dependendo o ângulo e da hora, um brilho de sol na encosta. Acesso fácil para quem estivesse disposto a uma longa e íngreme subida com buracos mais ou menos permanentes conforme a estação. O jipão verde sujo do Mussolini só às vezes descia. O mais das vezes para a zona.

Gostava de caminhar e os pães redondos que vinha tentando introduzir na dieta dos nativos ainda não tinham procura. Uma hipótese para o fim trágico dos Timbiras está na recusa em trocar a papa de inhame por purê de batatas com espinafres. Só conseguia pães no formato adequado vez por outra quando era o queridinho das moças da padaria. Nem sempre era. Se passasse muito tempo sem sair com alguma, reacendendo naqueles corações a esperança de que um dia alguma o fisgasse, começava a notar o pão mais difícil. É como são as mulheres e como Joe sabe que também é. Humanos são ratos trocadores de tudo, afeto, sentimentos... Coisas até.

Andar até a vila não era desagradável. Barrento e exaustivo, mas não desagradável. Flertava com a moça da farmácia umas três vezes por semana. Gorda, bonita, olhos bem azuis. Casada recente. Coisa entre o sucesso do penúltimo empreendimento, o caso Gorki, e o fiasco pessoal da Vigília das Camisas.

Como não gostava de trabalhar, também não gostava de lembrar. Ali era apenas o Mussolini. Moçolim para as moças da zona de puteiros. Gostavam do jipão verde sujo e era comum alguma na casa redonda. Na camaradagem do truco as chamava de esposas.

Uma delas foi mais sério. Engravidou, mas desapareceu. Tinha sido a esposa mais assídua. Ficava quieta, só queria estar ali, na casa.

Viajar nunca tinha sido opção de lazer. Jamais por prazer. Grana muito gorda ou favores devidos podiam movê-lo a executar algum serviço fora do país. Dominava alguns idiomas de forma rudimentar. Fazia questão de manter a pronúncia ridícula de modo a que fosse impossível adivinhar qual a língua mãe. Não falava com sotaque, andava sobre a linha do incompreensível. Era capaz de ir a maior parte dos países (diversos passaportes, tralha e tal), mas interesse não tinha em nenhum. Nem investimentos ou mulheres. Picas.

Uma coisa leva a outra e começou uma experiência com fatias quadradas. Se o negócio é fazer a ponto de mudar um hábito, então que seja direito. Fatias quadradas e exatas de um tamanho tal que caiba justo na nova sanduicheira quadrada. Joe não usa esmagar as bordas do sanduíche. Nem na sanduicheira redonda, a velha preferida de quase década.

Muito antes do problema da faca, onde alguns poderiam ver manifestação de psicose, já a mortadela e o queijo, por não serem localmente fabricados cúbicos apresentaram dificuldades. Conhecedor, também rudimentar, de culinária, mas apaixonado por apetrechos, Joe sabe que existem facas específicas. Os japoneses também sabem. Pode ser que existam facas de cortar quadrados, mas facas, não “carimbos” como os moldes de massa de pastel. Esses não cortam, esmagam as bordas, mutilam.

Joe considera sair à busca da faca de corte quadrado. É quando começa a cair.

Sunday, September 06, 2009

Textos SociaisDecadentes I


Sabe-se, porque nem tão burros somos, que todo político é ladrão. Não vive só de seus proventos, enriquece na carreira política (ou já é rico porque em nossa democracia o poder é hereditário, um político de sucesso elege seu filho, seus parentes), se locupleta sem o menor pudor, decência ou dignidade.

Isso sabemos. Participar dessa trama custa a vida, custa viver uma vida de merda entre patifes que se sacanaeiam tanto quanto a nós nos roubam. Os que estão no alto repartem o botim, qualquer o partido. Por mais que um diga mal do outro, ali, no bar da esquina (no caso, hotel de luxo), estão aos risos e abraços. Mas nenhum dá as costas ao outro. Ali é terra de ninguém, todos puxam o tapete de todos. Amizade é termo sem sentido.

Isso sabemos. É uma forma escrota de ganhar a vida, mentindo sempre e, claro, ensinando isso aos filhos, até pelo exemplo. Quer prá ti? É o que custa o poder que poderás talvez nunca alcançar e ficar a obedecer canalhas para sempre. Estive ente eles, são todos doentes.

Salta aos olhos: qualquer pessoa minimamente decente não sobreviverá num meio assim. Os canalhas estão no poder e de lá só serão apeados pela própria estupidez. Porque a incompetência anda junto com a patifaria. Porque seres humanos são capazes de colaborar entre si, mas macacos não são.

É preciso reduzir ao mínimo a participação na sociedade que eles dominam, aproveitar-se dela, mas viver ao lado. Nenhum causa vale uma vida sequer, quanto mais milhares, que dirá milhões.

O carro do ano não vale o tempo gasto em ganhar o suficiente para a prestação. Assim o tênis de marca ou a roupa de grife.

A sociedade de consumo é crime contra o planeta. Precisa parar. É preciso repensar o relacionamento pessoal de cada um com a sociedade, com o poder.


arnaldo sisson

Monday, August 24, 2009

Camisas - Epílogo.

Dias de enorme sacrifício. Muita dor física e moral. Não pode ir ao parque de muletas. Vai sem, a carne sente. Não pode evitar ir, os pensamentos são horríveis. O cara é agente duplo, petista e democrata. Está metido com patrões do tráfico. Talvez seja perigosíssimo. Certamente é. Custou um ano de vida mais a luxação no tornozelo e o caminhar comprometido por meses. Talvez um maluco que pague do próprio bolso para ser observado. Não interessa.

Joe treina um manquejar digno andando de lá para cá como bicho na jaula. O aparelho, pequeno apartamento perto do parque ao qual fora obrigado pelo serviço, ganha um espelho grande. Joe é perfeccionista. O disfarce é todo inglês. As botas de montaria são inapropriadas, mas firmam o pé ferido. Seria notado com toda certeza, mas nenhuma relação com o palhaço. Calças culote não são comuns. Chapéu Sherlock Homes também não. A polícia, se chamada, nem vai atrás. Tudo será queimado antes do imundo começar a vomitar sangue. Antes do cara se sentir mal.

Num manquejar elegante adentrou ao café. As mesas na rua são o objetivo. Chegou antes. Esteve no parque. Pela primeira vez saiu com o sujeito ainda lá exibindo a camisa. Entrou e escolheu uma revista inglesa. Está em pé simulando atenção a um artigo qualquer. Nem dez minutos e o cara senta-se à mesa de sempre, a posição de sempre, o jornal de sempre. Lê os quadrinhos e passa os olhos sobre o resto. Pede o café e corta o charuto.

- Desculpe, diz Joe, sorrindo como ingleses não usam sorrir, não pude deixar de reparar no Lancero Laguito. É conhecedor? A figura é engraçada, ao mesmo tempo interessante e lamentável. O chapéu ridículo completam dois metros de altura cujo objetivo imediato parece ser transportar um charuto também enorme, um Corona Grande que é, no ato, cortado com habilidade. É recebido com um sorriso. O tabaco os uniu. Um vício que mata, pensou Joe, esperando.

- Sim! É um Lancero! E o seu um Corona! Sente-se, não há muitos apreciadores hoje em dia. Um café? Não espera pela resposta e vira-se para pedir que sirvam o novo amigo. Joe é rápido, o veneno já está na xícara. Dissolve ligeiro no calor. Não tem gosto que se perceba.

A conversa engrena logo. Charutos e pessoas que fumam charutos. Coisas sem importância, coisas agradáveis. Papo sem brilho, mas cordial e simpático

Falavam de umas coisas e outras, café bom lá na rua tal, excelentes bolinhos, meninas bonitas, novinhas... o cara também conhecia Nabokov. E vai daí isso, vem de lá aquilo, o café é consumido e o quase cadáver comenta:

- Coisas absurdas acontecem. Quer saber? Faz mais de ano que venho quase diariamente ao parque sempre com uma camisa diferente apenas porque afirmei que seria capaz de fazer isso e minha filha duvidou. Dá para acreditar? Mais de ano já, mais de trezentas camisas...

Um relâmpago paralisante do rabo a nuca. Problema de consciência imediato e de primeiro grau. Matou o cara porque o estúpido tinha feito uma aposta com a filha. Já para o hospital e o conhecimento da natureza do veneno salvariam a criatura com a mais absoluta certeza.

Joe não consegue falar. Aquele cara ali - na frente dele - bom papo, sujeito de bem com a vida, feliz como possível, camarada no café onde já é freguês habitual, simpático e bom de gorjeta, morre hoje na certa. Por uma série de motivos tolos, entre os quais ele, Joe. Que bosta! O que dizer? Uma tentativa de assassinato de brincadeirinha? Nada. Ambas as vidas seriam vasculhadas. Dor de barriga para o cara. Emagrecimento rápido. E cadeia, talvez a vida toda, para Joe. Botariam a mão nele e o que fazia para viver já tinha incomodado muita gente. O cara podia até não ser nada, mas Joe tinha trabalhado para gente ruim. Ser identificado era a condenação. Não precisava da lei para ser terminado.

Pensa rápido e ao bater o pé no chão, o esgar de dor é verdadeiro, convincente. O sujeito, prestativo, pergunta o que foi e quer ajudar. Entre gemidos, simulando que a dor é nas costelas, Joe pede um hospital. Quebrou num jogo de praia. Frescobol. Caiu sobre uma caixa de cerveja vagabunda. Não queria jogar, mas insistiram. Não para de falar, vai inventando coisas doidas para ter tempo de pensar. Como fazer? O táxi se aproxima do hospital. Chega.

Em duas horas o cara começará a passar mal. Joe já nem sente o pé, a adrenalina corre e a verdade da situação cai na cara dele. Se salvar o cara está condenado. Continua sem o que falar, mesmo na emergência vai ter de se explicar. A roupa esquisita já não disfarça, identifica. Comprada lá, pelo sujeito aquele que raramente vai, mas outro dia esteve aqui e levou apetrechos de palhaço. Houve planejamento. Tentou lembrar se envenenamento é crime hediondo, mas nem faz diferença. Não pode entrar no hospital.

Esse puto fica aqui e a sorte começa a jogar. Encaixa a soqueira com mão ainda no bolso. É certeza que um corpo caído no pátio de entrada da emergência vai ser atendido e observado. Vai garantir que terá atenção quebrando-lhe o cara. Talvez o cara comece a se borrar antes de acordar. Se houver um médico esperto, se salva. Joe simula mais dor e para. Está apoiado no braço direito do cara.

O soco é espetacular. Fraturou o maxilar em dois lugares e o corpo vai ao chão como um poste abatido. A cabeça bate antes. Um som cavo e molhado. Joe ouve já correndo. Havia gente, mas Joe sabe que pessoas reagem apenas depois de pensar algo que justifique o inesperado. O viram correr, provável que até dar o soco. A fantasia de inglês é ridícula, mas cumpria o papel de chamar atenção para o que ele não era. Quando alguém entende que o cara foi agredido por um maluco de calça culote e boina xadrez, já está na outra quadra, sem chapéu, a fralda enorme da camisa escondendo os culotes. Está calmo e pegando um táxi.

O socorro chega e o corpo é recolhido já sem vida. Quebrou a cabeça. Concussão.

No aeroporto, Joe lê estarrecido sobre o milionário morto a socos no pátio do hospital. Ontem. A coisa incomoda. Não era para morrer. Não precisava ter feito nada. Sem atenção ao que o cerca, coisa que não é comum, não vê o grupo que já conhece de fotos nas colunas sociais. Marido, mulher e filhos. Uma das crianças agarra a saia da mulher:

- Mãe, o Humba vêm buscar a gente?

- Duvido que não venha, está sempre em volta. O pai responde ríspido. Está visivelmente contrariado. Não tinha recebido nada. Nenhum mail informando do descumprimento da bobagem das camisas.

Sunday, August 23, 2009

Camisas IV

Aparentemente uma rotina simples. O azar de estar envolvido na história do parque mais o clube, os amigos e um cabaré classe “A+”, a Carmem. Chamado de Doutor Humberto pelo porteiro, uísque velho paca, salamaleques e coisa e tal. Tudo os dois olhos da cara. Joe tinha charme e dinheiro nunca faltou. Nada nababesco como o miserável que vigiava, mas grana não faltava.

Sacou a favorita e foi nela. Tereza. Nada de informação importante. Mas boa, sensual, nada esquelética. A mulher que os homens não querem desfilar, mas devorar devotadamente. Um objeto tão lindo que gosta de ser objeto, como uma paisagem mais bonita porque sabe que é olhada. Mais desejável porque sabe disso. Uma artista. Fácil se envolver, mas ela não quer envolvimento.

Joe não é novo na noite. Conhece. Possível que uma mulher daquelas, descontado o da casa, fature mais do que ele tomando chuva a olhar camisas. Bons artistas não fingem, tem aquela coisa de banco de emoções. Coisa mais talento que prática. Tereza gosta e goza. Não vai com quem não quer. Vai ter menos um freguês, possivelmente vai ser investigada. O alemão olho bem azul com marca de nascença embaixo do queixo, grande como uma moeda e que Joe não é, vai ser procurado. O alemão foi quem perguntou pelo doutor.

Era só. Foi duas vezes a Carmem. Na primeira bebeu pouco e só vinho. Foi como francês e deliciosamente fez o que se esperava e o ganho foi observar que o cretino tinha uma preferida. Da outra vez, com a preferida. Fim. Nada conseguiu, mas deixou um rastro falso eficiente. Se fossem até ali dali não passariam. Se o cara tinha alguma tara esquisita capaz de matá-lo acidentalmente, não era com Tereza ou ela não sabia ou não diria. Um beco sem saída. Nenhuma informação, só uma trepada e tanto. Ainda azar, mas já estava melhorando.

De resto o clube era golfe. Joe não sabia nada de golfe e disfarce de cadi ou taco seria demais. Sorriu ao pensar numa bomba no carrinho do equipamento. Espanto na mídia, “Terror nos Campos de Golfe - Elite em Polvorosa”. Demasiado complicado. Fazer uma bomba deixa rastros. Teria de ser detonação à distância. Muitas variáveis e a indispensável proximidade. Só prá distrair a cabeça. Não dá.

Tiro. Considerando o golfe, fácil. A poética do jogador solitário com os miolos espalhados pela folhagem é tentadora. Um tiro de pelo menos trezentos metros. Era capaz. Melhor, fora capaz. Já não tinha acesso ao equipamento. Munição confiável, lunetas e, principal, o próprio fuzil. Entregara tudo ao Galhardo como um favor/penhor que lhe valia a droga que consumia. Quase nada e só haxixe. Não, tiro não seria.

Havia momento em que o cara estava vulnerável. Depois do parque invariavelmente parava num café, ficava um tempo com um jornal na cara. Seria depois. Durante as baforadas do invejável charuto que acompanhava o café com creme e sem açúcar. O fumo poderia ser assunto para aproximação. O método seria veneno. A forma mais sórdida, o veneno de ação lenta.

Vai morrer aproximadamente cinco horas depois do cafezinho. Pena as cólicas horríveis. Literalmente esvaído em fezes e sangue. Inconveniência que Joe não sabia com evitar. Nem pretendia, entre as frases que gostava de citar estava “carcaça não é para olhar, é para se afastar”.

Anotara o charuto pedindo informação, no próprio café, sobre rua que não lhe interessava em absoluto, mas por perto. Não chamar atenção ou chamar muita disfarça igual. Foi vestido de palhaço. Uma monstruosidade, um susto que anda, chamativo como um Pateta na Disneylândia, tão identificável quanto. Dois metros e meio de altura. Todo suado, um enchimento quentíssimo. Péssima idéia. Andava como trezentos quilos prestes a desabar das pernas de pau. E desabou. Quando voltava a ser Joe. Longe de tudo, de ajuda inclusive. Torceu o pé. Ódio sempre pode aumentar. Saiu do hospital na mesma tarde, enfaixado e de muletas. Já muito além da raiva, estava determinado a eliminar o problema fosse quem fosse o sacana.

Saturday, August 22, 2009

Camisas III

Na verdade daquela tolice toda tinha interessado o papo sobre confiança. Garantira tolamente que mesmo sendo o que sua filha chamava de irresponsável inócuo poderia assumir um compromisso e cumpri-lo baseado exclusivamente no fato de ter prometido fazer.

Gostava de cozinhar, inventava pratos. Tinha nascido rico e nada fizera para mudar isso. Estudara o suficiente para dizer chega. Não preciso. Não quero. No tempo adequado perdera ambos os pais para o câncer. Viajara até aceitar que não gostava de lugares novos. Descobriu bem cedo. Dois casamentos obrigaram a longas viagens para ver coisas que no cinema eram mais bonitas, menos bichos nojentos, fedores e, principalmente, menos congelantes. Não morava mais onde nascera por conta da migração filial. Sempre residia na mesma cidade que a filha. Questões de praticidade. Não se viam muito. Era um gostar amigo, nada sufocante.

Num dos raros almoços cerimoniosos que promovia em atenção à filha e aos chatíssimos filhos e marido aconteceu o que chamava de tolice fundamental. Tinha caído numa esparrela. A filha trabalhava. Acreditava nessas bobagens de ser útil, fazer a vida por si mesma, quaraquaquá e tal. Nada dizia das oportunidades que tivera. Certo, ganhava bem. Poderia ter se feito por si mesma, mas não foi bem assim. Paizão, sabia não tocar no assunto. Era importante para ela. Para ele, só a vagabundagem era coisa natural. O avô dela e o bisavô, talvez o anterior também, tinham construído o que ele só gastava e achava muito bom que fosse assim, sem problemas de consciência ou mais besteiras.

O desafio exigia que fosse fiel a um compromisso sem sentido que, na opinião dele, não provava nada. Apenas que era teimoso como uma mula. A facilidade da coisa era enganosa. Até a volta da filha e sua chatíssima tropa de longa volta ao mundo da qual escapara por pouco, sepultando as chances de não cumprir o que no começo parecia piada, prometera ir pelo menos quatro dias por semana ao parque nunca repetindo consecutivamente a mesma camisa.

Enfim, estava no fim. Mais umas duas semanas e estaria tudo terminado. As camisas não precisavam ser todas diferentes, mas ele fez assim. Teria enorme prazer em dar as trezentas e tantas camisa diferentes para o genro imbecil. Trezentos dc qualquer coisa são grande volume. Trezentas coisas inúteis são um monumento. Guardar trezentas coisas sem uso visível é castigo que haveria de deixar por herança ou não haveria herança. Um troco simples pelo trabalho de encomendar, já pela terceira vez, cento e cinquenta camisas diferentes e ir passear no parque com elas. Uma de cada vez, nunca repetindo.

Que poderia haver de mais inócuo e sem conseqüências? Já desejara acabar com aquilo inúmeras vezes, mas nem sempre choveu e agora já era parte da rotina. O porteiro do condomínio brincava: - Camisa nova, Doutor? - Coisa da filha, sempre respondia ao passar o portão a pé. O parque era perto.
Ia até lá entre tal e tal hora ficava um pouco, olhava o lago e os outros estranhos fregueses diários do parque. Observava os cães e as raças dos donos. Pela graça da coisa Havia também um fotógrafo com telescópio, talvez estudioso de pássaros ou repórter investigativo (sempre lá, chuva, frio ou canícula). Cumpria o ritual da camisa e rumava para o clube, os amigos e o apelido ganho por merecimento: Camisa Nova. Depois, a vez de Tereza Seios Enormes.

Wednesday, August 19, 2009

Camisas II

Camisas II.

"A emoção é nenhuma, mas lá está ele. Hoje está verde como pedaços de grama que o calor e a estiagem ainda não secaram. Quantas camisas verdes esse animal terá? Animal, sim, animal! Não o conheço, não sei nome, não quero saber. Não gosto dele. Ninguém me faz sofrer assim desde o ginásio. Não é culpa dele? Claro que é, alguma fez para alguém ou eu não estaria condenado.

Bah! Não vou me enganar. Sem desculpas. Penso em matá-lo para não ter mais de olhar para ele. Para voltar a viver sem cuidar camisas. Vai ser muito trabalho, as valerá. Quem é, onde mora, o que faz, aonde vai, talvez o porquê da vigilância e toda essa coisa ridícula. Achei um absurdo de início. Essa grana toda para anotar as camisas de um sujeito? Moleza. Tão mole que derreto. Eu aqui: muita garrafa de isotônico, equipamento e a camisa hoje é verde suado sem detalhes. Qual a de ontem? Verde não era. A história continua. Poderia matar esse puto só porque pode ir embora sem levar nada. Cinco minutos de sol escaldante e se manda. Estou aqui faz litros de suor, tédio e raiva. Olho a tralha. Carregar tudo. Este já está morto. Dedicação exclusiva. Onde mora?"

Joe Notebook é metódico. Não é doente, mas o tamanho do queijo e da mortadela no sanduíche de pão redondo é exato. Uma moeda grande: um lado queijo, outro mortadela.

Matar é fácil. Muitos modos. Quantidade de oportunidades. O problema não é escapar impune da polícia, da lei. Crimes sem motivo, ainda que assassinatos, não têm solução. A menos que o autor seja estúpido ou seja um desprezado pelo sorte, um eleito pelo azar. Usualmente não acontece ao Joe. O queijo cobre exatamente a mortadela. Mas não sabe quem o contratou. Podem ser perigosos. Tudo tem de ser casual. Nada de enredo cinematográfico. Pensa rápido em atropelamento. Não serve. Teria de ser o motorista. Muita interferência do acaso. Fuga, carro, insuspeitas testemunhas, câmeras de vigilância e não há garantias que o sujeito morre. Bobagem. Qual a rotina do cara das mil camisas? Mulher? Filhos? Outro trabalho mais emocionante que andar todos os dias até o parque com uma camisa nova??

O insight é horroroso, um choque do cotovelo até o pulso. Bateu o braço na cadeira quando pensou que o cretino poderia não ser outra coisa que mais um elo numa cadeia da qual poderia nunca perceber o tamanho ou o objetivo. E se o cara fosse quase tão patético quanto ele? E se esativesse contratado para ir, dia após dia, semana após semana, mês após mês e entrar ano sempre indo ao parque com uma camisa diferente? Azar dele, do penúltimo, a história vai acabar.

Seguir bem feito, despercebido, é tarefa para dias. Primeiro até aquela esquina, dali, outro dia, mais um pedaço e assim até conhecer o fim. Um condomínio de alto luxo. Altas cercas, alta segurança. Tudo o que seria ruim que fosse. Um edifício seria fácil, uma casa isolada mais ainda. Ali tudo o que pode fazer é ir embora sem perguntar nada. Teria de ser no trajeto ou no parque. Talvez surgisse algo da rotina do cara. Contar os tempos. Estar no parque durante a hora e meia aprazada para a verificação de camisa era absolutamente necessário. O bosta podia não ir, Joe nunca.

A tentação de dar um fim rápido nem apareceu. Agora havia um objetivo, um tipo de serviço diferente. Eliminar o cara. Absorvente. A emoção da caça.

Monday, August 17, 2009

Vezes tem que dá uma vontade sem propósito de escrever. De fazer isso apenas porque sei fazer. Não é como cortar a grama. Nada encheu que tenha de extravasar, muito menos transbordar. O que escrevo fica, mas nem é por isso. Não sei. Essa é a verdade. Não estou inspirado como quando tenho de entregar o sentido a qualquer outra coisa que pode até ser um eu interior (que a mim não se apresentou ainda), mas esse aqui, meu conhecido, não é. O texto é assunto maior e o sentido me foge. Vem por mim, não é para mim. Não há necessidade que entenda.

Mas essa de fazer porque é divertido estar registrando pensamentos, a melhor aproximação é dançar nu pela sala e sozinho. Tudo aqui é bem real (acabei de escrever, de papelizar esse pensamento, está concreto, quântico pelo menos). Quando ainda na cabeça as idéias não tem existência. É preciso copiar de onde ESTÃO e fazê-las na realidade, "trazê-las à existência" (muita gente boa não saca que é uma metáfora: trazer não está por transportar).

Deve ser por isso a imensa bobagem dos tais arquétipos e toda a confusão filosófica decorrente. É simples assim. mas pode-se compreender que sábios embrulhados em panos ou vestindo barris e que ERAM as estrelas da época (academias, escolas, etc..) quisessem cada um ter uma idéia luminosa e o séquito consequente.Vejo-os inventando coisas, um mais Paulo Coelho que o outro.

Parafraseando Fernando Pessoa: "...o mistério último das coisas / é que elas não tem mistério nenhum..."

Saturday, July 11, 2009

Camisas.

Era tarde e Joe Note Book andava apresado. Não era um encontro, era um avistamento. O cara poderia estar lá. Dia após dia, tarde após tarde. Em dias ruins, chuva, vento, frio, nunca ia, nos outros quase sempre. Nunca com a mesma camisa. Mês após mês. Quatorze meses e três dias.

Começou como serviço avulso. Seguir pessoas. Fazer relatório, receber. Sumir um tempo. Um dia, dois, três, uma semana. Nunca mais que isso. Ai, esse cara. Esse serviço. Dez dias após o cara aparecer dois dias seguidos com a mesma camisa deverá enviar uma mensagem para determinado endereço eletrônico. Simples e fácil. Há um ano e dois meses.

Antes vivia como queria e agora uma rotina miserável porque pulha tem todas as camisas do mundo disponíveis, dia após dia. Nada se sabe sobre quando não vai. Rotina miserável, cotidianamente miserável, equipamento pesado, especializado e dedicado. Era verão, veio outono, depois inverno, primavera e os estilos mudando. As capas escondendo a camisa. O telescópio. O note book sempre anotando a descrição da camisa da vez. Foto detalhada. Absolutamente todos os dias. Absolutamente lá durante quatro horas. Era verão. Um parque pareceu bom. Longe das vistas, das marquises, abrigos em caso de chuva. Café, só da térmica. A miséria que só esperava no inferno.

O pagamento semanal e pontual como já não gostaria que fosse. Fosse, aliás, possível qualquer contato, desfaria o trato. Era um emprego maçante, torturante. Considerava deixar de ir. Mas quem seriam seus contratantes? Que importância teria sua parte no esquema, fosse qual fosse? Qual o preço da falha? Se o cara morresse? Se o matasse?

Se o matasse? Essa idéia foi tomando corpo.

Monday, June 01, 2009

Sunday, May 10, 2009

Capital x Trabalho

Seguinte: se a maior parte do "capital" existente é fictício, por conta do fator multiplicador bancário (moeda estrutural) e dos mercados futuros e mais picaretagens mágicas puramente econômicas onde o capital é absurdamente mercadoria (comprar parte de um lucro que existirá é bom exemplo), em quê a economia real se baseia?

Vou ariscar um palpite. No trabalho. O que move a economia real é o trabalho e não o capital. O capital está para a economia como o poder dos reis ou do clero, serve para aurir privilégios, não produz realmente nada.

Monday, May 04, 2009

SocialDecadência(apontamentos)




Sabe-se, porque nem tão burros somos, que todo político é ladrão. Não vive só de seus proventos, enriquece na carreira política ou já é rico (em nossa democracia o poder é hereditário, um político de sucesso elege seu filho, seus parentes) e nela se locupleta sem o menor pudor, decência ou dignidade.

Isso sabemos. Participar dessa trama custa a vida, custa viver uma vida de merda entre patifes que se sacanaeiam tanto quanto a nós nos roubam. Os que estão no alto repartem o botim, qualquer o partido. Por mais que um diga mal do outro, ali, no bar da esquina (no caso, hotel de luxo), estão aos risos e abraços. Mas nenhum dá as costas ao outro. Ali é terra de ninguém, todos puxam o tapete de todos. Amizade é termo sem sentido.

Isso sabemos. É uma forma escrota de ganhar a vida, mentindo sempre e, claro, ensinando isso aos filhos, até pelo exemplo. Quer prá ti? É o que custa o poder que poderás talvez nunca alcançar e ficar a obedecer canalhas para sempre. Estive ente eles, são todos doentes.

Salta aos olhos: qualquer pessoa minimamente decente não sobreviverá num meio assim. Os canalhas estão no poder e de lá só serão apeados pela própria estupidez. Porque a incompetência anda junto com a patifaria. Porque seres humanos são capazes de colaborar entre si, mas macacos não são.

É preciso reduzir ao mínimo a participação na sociedade que eles dominam, aproveitar-se dela, mas viver ao lado. Nenhuma causa vale sequer uma vida, quanto mais milhares, que dirá milhões.

O carro do ano não vale o tempo gasto em ganhar o suficiente para a prestação. Assim o tênis de marca ou roupa de grife.

A sociedade de consumo é crime contra o planeta. Precisa parar. É preciso repensar o relacionamento pessoal de cada um com a sociedade, com o poder.


arnaldo sisson