Saturday, August 26, 2006

(In)certeza

Se da razão era o dono,
indagavam noite e dia:
por que não subia ao trono?
por que tanto discutia?

Sunday, August 20, 2006

Alguns Pressupostos




Sem entrar em generalidades como pactos sociais, grandes movimentos, decisões ou o que quer que seja de muito gigantesco, geral ou atinente a espécie, somos todos grandes mentirosos. O amor à opinião dos outros obriga a maioria. Mentiras sobre felicidade no casamento, uma pequena omissão nas conseqüências trágicas daquele porre portentoso.

Nem gosto tanto assim de vinho, mas quantos podem tomar um sei lá o quê safra tal? Ou o carro que uns poucos têm? E que tal se sentir membro de uma comunidade de intelectuais incompreendidos por um tempo néscio e medíocre: um raro? E ser considerado um artista? E o orgulho de “se eu quisesse eu seria”, escondendo o medo de provar, sem a menor sombra de dúvida e para si mesmo, que não é? O “só não faço porque não quero”, “não acho certo” ? Puá... E os que são a nata dos diferentes? Tão independentes que só não se permitem ser iguais e exatamente nisto são cópias dos piores?

De muito inferior posição na escala moral ou social, sinto-me à vontade para aceitar isso em mim sem que me obriguem e, principalmente, culpa alguma. E a ninguém responsabilizo. Minha preocupação quanto ao bem estar do próximo se restringe aos muito próximos afetivamente ou aqueles cuja existência me faz agrado. O que é válido para a moça da mercearia ou para o dono da padaria. Mas sim! Muito ruim que estejam matando tanto por lá, mas quem preferiria que fosse por aqui?

Oh! Que horror! Guerras por todos os lados! Mas, pô pessoal, gente guerreia... basta um líder. E há os que clamem por um destes prebostes do altíssimo batendo com a própria individualidade e independência orgulhosamente no peito. Patético. Patético e monótono.

Thursday, August 03, 2006

Pura Perda.



A presença do trinta e oito engatilhado, a respiração nervosa e entrecortada do assaltante o faz tremer. Difícil acertar a combinação do cofre. Suor frio. Essa merda não abre. Calma. O cofre abre. O tiro entra pela nuca. Muito sangue e agora parte dos miolos são o único conteúdo do cofre. A queima roupa o refluxo do sangue respinga tudo, está coberto de sangue.

Merda. Um assassinato por nada. Não tinha ficha policia e agora está nessa roubada. Um crime de morte. Não pensou nada, a arma disparou por descuido e nervosismo. Ficar calmo. O prédio é de muito movimento. O ruído do disparo não deve ter chamado atenção. Da porta se vê o corpo, o escritório é pequeno. Vai até a porta. Ninguém no corredor. O elevador dá sinal e para, um homem e uma mulher. Despedem-se, o homem vem em sua direção, a mulher volta para o elevador e desaparece.

O homem pergunta pela pequena joalheria. Ele aponta o letreiro na porta: Jóias Pamb. Deixa que o homem passe. Entra atrás e fecha a porta. Está lúcido. Domina o recém chegado.

Tudo incomoda. O cheiro do sangue, o cadáver esvaziado de merda e mijo. A situação escrota. A informação errada, o cofre vazio, o crime por nada. Os edifícios à frente não têm boa visão do cubículo. Apenas uma sala e o banheiro. Uma janela para os edifícios, outra no banheiro para o poço de ventilação do prédio.

O homem tem a mesma estatura, pouco mais alto. Limpa-se o melhor possível e força a troca de roupa com o refém que só trata de obedecer e pedir calma. Ficou fácil. Examina os bolsos. Pouco dinheiro. Documentos. Livra-se dos documentos no poço do prédio e conserva os seus. Uma identidade falsa que vai ter de inutilizar. Pena, gostava de ser Prof. Engenheiro Humberto Roman. Liga para a polícia. Assalto com tiros na galeria Empty Panellieri. Quinto andar. Joalheria Pamb.

Observa a rua e aguarda. A polícia chega. Apenas um carro. É pouco. Atira várias vezes na viatura. Pânico. Correria. A demora usual das unidades de resposta rápida e está cercado. Atiradores de elite, ambulâncias, imprensa, a festa toda. Liga para a polícia, informa do refém. Desconfia da polícia e exige se entregar ao exército. Um prato para a mídia.

Espera. O telefone toca. Atende. Um comandante do exército. Diz que vai se entregar e interrompe com ruídos simulando luta. Deixa cair o telefone sem desligar. Sempre derrubando coisas, traz o refém até perto do telefone, abraça-se a ele e atira no coração, à queima roupa.

Completamente descontrolado, aos gritos, alcança o telefone e continua berrando “eu o peguei, eu o peguei”, começa a soluçar e corta a ligação. Arruma o que falta, arma na mão deste segundo morto numa posição possível.

Treme descontroladamente e chora muito. Impossível falar. Ensangüentado em estado de choque, é levado para o hospital. Identificado como o refém que dominou o assaltante é deixado para descansar antes mesmo de ser interrogado. Desaparece.

Não vai voltar a cidade. No aeroporto lê sobre o caso que já não tem o mesmo destaque dos primeiros dias. O estardalhaço inicial fez com que seus contatos desaparecessem. Dois assassinatos. Pura perda.

Wednesday, August 02, 2006

O Morto.

O cara estava ali. Os corpos também. Não sabia porque os tinha matado, apenas mais um serviço bem feito. Mãos amarradas, pouca confusão. Sacos de plástico na cabeça, um tiro na têmpora de cada um. O espirro de sangue fica quase todo no saco. Trabalho limpo. Retira a pasta, troca o conteúdo e elimina os sinais.

Apaga a luz e sai, fecha a porta do escritório. Advocacia, Testamentos e Espólios. Dr. Erny Junior e Dr. Luiz Felipe Martins.

A riqueza lhe tinha vindo na adolescência, com os pais ainda vivos, quando da descoberta do petróleo no campo e morria ainda mais rico. Nasceu e cresceu matuto e morrerá matuto, mas tem filhos. Muitos casamentos. Explorado por todos. Não tem educação, mas todos a sua volta sim. Proveu bem a todos. Todos longe. O suficiente para esbanjar a fortuna de forma planetária. Sente que todos o desprezam. Retira-se para a mansão no campo original. O campo devastado, as máquinas, as bombas de petróleo. É onde passa os últimos anos. Morre sozinho.

Não deixou testamento. Uma nota é encontrada, dirigida a toda a família:

“Senhores,

Resolvi não deixar descendentes. Contratei a morte de todos.

Atenciosamente,

O morto.”

Aqui é que começa a história, como todos têm imaginação, mas o talento de contar histórias me falta. Fica com vocês imaginar como o velho armou essa e como os parentes vão morrendo e tentando se defender.