Friday, December 15, 2006

Associacionismo

Quando a viu, tentou não a ver. Fixou os olhos através do vestido transparente que deixava o contorno das pernas à mostra contra a claridade, e tentou enxergar o que não era ela, porque as curvas feitas sombra arrastou o seu cérebro. Só depois elevou os olhos e atinou que havia mais a desfrutar no andar de cima. Os seios, semi-cuias, ameaçando saltar para fora da camisa de seda e também o rosto. “Linda!”, pensou. Seguiu-a com os olhos, segurando-se para não segurá-la e agarrando-se em escrúpulos, para não agarrá-la. Quando ela sumiu na esquina, tornando-se um vapor em sua memória, exclamou mentalmente num tom de quase desespero: “Com uma mulher dessas e um pacote de bolachas Maria, dá bem para passar uma tarde”.

Sunday, December 10, 2006

O fim da poluição

É fácil resolver o problema da poluição no mundo.
Basta baixar uma lei mundial, nos moldes da que existe para carros em SP: num dia, podem respirar as pessoas nascidas em mês par, no outro as nascidas em mês ímpar. Em apenas dois dias está resolvido.
Clara que, como sempre, haverá aqueles que tentarão burlar a lei.
Para estes, pena de morte. Por suicídio, para evitar que a sentença não seja executada por falta de carrasco.

Saturday, December 09, 2006

Conto desconexo

Levantou na hora de sempre: a hora de ir à escola.
Foi ao guarda-roupas e constatou algo estranho: não havia camisetas disponíveis, apenas moletons. Intrigado, ficou imaginando o que houvera. Então, deu-se conta de que estava em férias. Intrigado ficou, tentando desvendar a ligação entre as férias e o desaparecimento das camisetas. Sem encontrar nexo causal, vestiu um moleton, pegou a mochila de livros e rumou pra escola.

Saturday, August 26, 2006

(In)certeza

Se da razão era o dono,
indagavam noite e dia:
por que não subia ao trono?
por que tanto discutia?

Sunday, August 20, 2006

Alguns Pressupostos




Sem entrar em generalidades como pactos sociais, grandes movimentos, decisões ou o que quer que seja de muito gigantesco, geral ou atinente a espécie, somos todos grandes mentirosos. O amor à opinião dos outros obriga a maioria. Mentiras sobre felicidade no casamento, uma pequena omissão nas conseqüências trágicas daquele porre portentoso.

Nem gosto tanto assim de vinho, mas quantos podem tomar um sei lá o quê safra tal? Ou o carro que uns poucos têm? E que tal se sentir membro de uma comunidade de intelectuais incompreendidos por um tempo néscio e medíocre: um raro? E ser considerado um artista? E o orgulho de “se eu quisesse eu seria”, escondendo o medo de provar, sem a menor sombra de dúvida e para si mesmo, que não é? O “só não faço porque não quero”, “não acho certo” ? Puá... E os que são a nata dos diferentes? Tão independentes que só não se permitem ser iguais e exatamente nisto são cópias dos piores?

De muito inferior posição na escala moral ou social, sinto-me à vontade para aceitar isso em mim sem que me obriguem e, principalmente, culpa alguma. E a ninguém responsabilizo. Minha preocupação quanto ao bem estar do próximo se restringe aos muito próximos afetivamente ou aqueles cuja existência me faz agrado. O que é válido para a moça da mercearia ou para o dono da padaria. Mas sim! Muito ruim que estejam matando tanto por lá, mas quem preferiria que fosse por aqui?

Oh! Que horror! Guerras por todos os lados! Mas, pô pessoal, gente guerreia... basta um líder. E há os que clamem por um destes prebostes do altíssimo batendo com a própria individualidade e independência orgulhosamente no peito. Patético. Patético e monótono.

Thursday, August 03, 2006

Pura Perda.



A presença do trinta e oito engatilhado, a respiração nervosa e entrecortada do assaltante o faz tremer. Difícil acertar a combinação do cofre. Suor frio. Essa merda não abre. Calma. O cofre abre. O tiro entra pela nuca. Muito sangue e agora parte dos miolos são o único conteúdo do cofre. A queima roupa o refluxo do sangue respinga tudo, está coberto de sangue.

Merda. Um assassinato por nada. Não tinha ficha policia e agora está nessa roubada. Um crime de morte. Não pensou nada, a arma disparou por descuido e nervosismo. Ficar calmo. O prédio é de muito movimento. O ruído do disparo não deve ter chamado atenção. Da porta se vê o corpo, o escritório é pequeno. Vai até a porta. Ninguém no corredor. O elevador dá sinal e para, um homem e uma mulher. Despedem-se, o homem vem em sua direção, a mulher volta para o elevador e desaparece.

O homem pergunta pela pequena joalheria. Ele aponta o letreiro na porta: Jóias Pamb. Deixa que o homem passe. Entra atrás e fecha a porta. Está lúcido. Domina o recém chegado.

Tudo incomoda. O cheiro do sangue, o cadáver esvaziado de merda e mijo. A situação escrota. A informação errada, o cofre vazio, o crime por nada. Os edifícios à frente não têm boa visão do cubículo. Apenas uma sala e o banheiro. Uma janela para os edifícios, outra no banheiro para o poço de ventilação do prédio.

O homem tem a mesma estatura, pouco mais alto. Limpa-se o melhor possível e força a troca de roupa com o refém que só trata de obedecer e pedir calma. Ficou fácil. Examina os bolsos. Pouco dinheiro. Documentos. Livra-se dos documentos no poço do prédio e conserva os seus. Uma identidade falsa que vai ter de inutilizar. Pena, gostava de ser Prof. Engenheiro Humberto Roman. Liga para a polícia. Assalto com tiros na galeria Empty Panellieri. Quinto andar. Joalheria Pamb.

Observa a rua e aguarda. A polícia chega. Apenas um carro. É pouco. Atira várias vezes na viatura. Pânico. Correria. A demora usual das unidades de resposta rápida e está cercado. Atiradores de elite, ambulâncias, imprensa, a festa toda. Liga para a polícia, informa do refém. Desconfia da polícia e exige se entregar ao exército. Um prato para a mídia.

Espera. O telefone toca. Atende. Um comandante do exército. Diz que vai se entregar e interrompe com ruídos simulando luta. Deixa cair o telefone sem desligar. Sempre derrubando coisas, traz o refém até perto do telefone, abraça-se a ele e atira no coração, à queima roupa.

Completamente descontrolado, aos gritos, alcança o telefone e continua berrando “eu o peguei, eu o peguei”, começa a soluçar e corta a ligação. Arruma o que falta, arma na mão deste segundo morto numa posição possível.

Treme descontroladamente e chora muito. Impossível falar. Ensangüentado em estado de choque, é levado para o hospital. Identificado como o refém que dominou o assaltante é deixado para descansar antes mesmo de ser interrogado. Desaparece.

Não vai voltar a cidade. No aeroporto lê sobre o caso que já não tem o mesmo destaque dos primeiros dias. O estardalhaço inicial fez com que seus contatos desaparecessem. Dois assassinatos. Pura perda.

Wednesday, August 02, 2006

O Morto.

O cara estava ali. Os corpos também. Não sabia porque os tinha matado, apenas mais um serviço bem feito. Mãos amarradas, pouca confusão. Sacos de plástico na cabeça, um tiro na têmpora de cada um. O espirro de sangue fica quase todo no saco. Trabalho limpo. Retira a pasta, troca o conteúdo e elimina os sinais.

Apaga a luz e sai, fecha a porta do escritório. Advocacia, Testamentos e Espólios. Dr. Erny Junior e Dr. Luiz Felipe Martins.

A riqueza lhe tinha vindo na adolescência, com os pais ainda vivos, quando da descoberta do petróleo no campo e morria ainda mais rico. Nasceu e cresceu matuto e morrerá matuto, mas tem filhos. Muitos casamentos. Explorado por todos. Não tem educação, mas todos a sua volta sim. Proveu bem a todos. Todos longe. O suficiente para esbanjar a fortuna de forma planetária. Sente que todos o desprezam. Retira-se para a mansão no campo original. O campo devastado, as máquinas, as bombas de petróleo. É onde passa os últimos anos. Morre sozinho.

Não deixou testamento. Uma nota é encontrada, dirigida a toda a família:

“Senhores,

Resolvi não deixar descendentes. Contratei a morte de todos.

Atenciosamente,

O morto.”

Aqui é que começa a história, como todos têm imaginação, mas o talento de contar histórias me falta. Fica com vocês imaginar como o velho armou essa e como os parentes vão morrendo e tentando se defender.

Friday, July 28, 2006

Anotações sobre o Deus Posterior

Um Deus Posterior. Por que não?
Isso deveria ser colocado na agenda da comunidade científica, bem assim como foi dito: trazer à luz alguém com bondade, sabedoria e poderes superiores, para salvar da morte aquilo que se originou de vapor d'água, metano, amônia e hidrogênio: os aminoácidos primitivos, que ganharam a capacidade de se locomover e destruir o berço que os pariu. Talvez o item bondade nem seja necessário e, possivelmente, atrapalharia a missão. Certo que haveria rebeliões, insufladas pelos 4 cavaleiros do apocalipse. Na matrix haveria de se colocar também o mapa do caminho pelo qual o rebanho será conduzido. Porém, não há sentido em chegar; o caminho teria de ser infinito.

Thursday, July 27, 2006

O Deus Posterior.

Como estava falando outro dia, tenho absoluta certeza que a única forma de realmente trocar idéias, conversar, é por escrito. O sub-texto dos gestos deixa muito a desejar por demasiado sujeito ao falso e, no entanto, é largamente usado como o principal para o entendimento do que se fala ao vivo e a cores. Líquido, certo, morto e cinza.

Situações se conjuram e encontros sociais se tornam possíveis e cada um deles é uma história particular. Nunca nos encontramos, mas pelo menos um ambiente social freqüentamos. Um onde é possível conversar enquanto a dor nas costas permitir. Isso me lembra de não forçar. Continuo amanhã.

Mas falava sobre os encontros sociais. É bom manter uma certa coerência e, depois de várias taças de café, inúmeros cigarros e um teórico desjejum (que este escrever posterga) é até possível. Mas mais coerente é sobreviver, então é preciso comer. O conjunto dos gestos necessário para a confecção do sanduíche já me daria assunto para muitas páginas. Para começar, sair da cadeira. Ir ao banheiro já está a se tornar imperioso, aproveitarei a interrupção para realizar a alimentação. Em diferentes ambientes. Passos e mais passos. O ruído da descarga lembrando que tem de abrir o registro para encher a caixa d’água e mais... e mais...

Lembrei que não tem pão. Assim: uma constatação. Já não me enfureço com meu Alzaimher. A hora, que sempre corre quando escrevo, informa que o pão é desnecessário. Usualmente não almoço com pão. Mas é só um outro problema. Diário. Alimentação.

A vida precisa de matéria. A matéria é o substrato da vida. A matéria precisa de energia. A energia é o substrato da matéria. A vida é o substrato de quê? Julgo eu que da consciência, daquela que falam as mais altas manifestações do budismo.

Também nessa linha, mas bem mais amarga é a constatação óbvia de que a existência de nações, razão das maiores selvagerias, serviu maravilhosamente ao desenvolvimento da espécie. Durante um tempo deu à humanidade um competidor na exata altura. Mas já começa a não servir mais.

A única forma de controlar-se a proliferação exagerada e prejudicial é um comando único. Nenhuma tribo vai permitir que a outra seja mais poderosa, numerosa ou o que seja. Haverá um poder hegemônico sem a menor sombra de dúvida. Ou isso ou a espécie esgota o planeta.

Não é necessariamente terrível ou sombrio, mas será catastrófico com absoluta certeza. Mais delírio: aquilo que se baseia na vida - a consciência - dá tanto valor a vida quanto nós a matéria. É tudo a mesma coisa. Só tem que continuar existindo e servindo. Interessa aos “quantos”, não aos “quais”. Na onda budista é possível alcançar fazer parte desta consciência.

Impossível continuar escrevendo.

Já refeito dos efeitos diuréticos do café, alimentado e já percorrida a tarde em inúmeros não fazeres, voltei. Entre uma e outra coisa que não tinha de fazer, mas acabei por fazer, disso alijando o amanhã, alucinei por outros ângulos do problema humano.

Considerado o disponível tecnologicamente quanto a conforto e segurança física, nada há a desejar (esquecendo outros devaneios de vida eterna e saúde perfeita). Não se fala da distribuição disso, não é possível e nunca o será já nos níveis atuais de população. Do bem bom pra todo mundo já não é possível e, pior que isso, o meio ambiente deteriora a olhos vistos para todos agora, já, na cara de todos. Ninguém gosta de falar nisso e nem é do interesse da casta dominante que o resto se dê conta disso.

Já lá no outro delírio anterior: pode que esta consciência, que se apoiaria na vida como esta evidentemente se apóia matéria, precise só de espécies conscientes e tecnologicamente capazes. Surge quando estas espécies aparecem. E também evolui. O Deus Posterior. Não criou a vida, veio depois. Precisa só que existamos, os assuntos dela são outros. Como nós sobre a matéria, também aprende a manipular seu suporte da melhor forma para ela, não para nós. Somos só vida.

Tuesday, July 25, 2006

Palavras

Escrever é bom, porque as palavras não fogem.
Quer dizer, às vezes elas fogem. Aí, escrever é ruim.
Mas não por muito tempo, porque é fácil parar de ver as palavras fugirem.
Basta deixar os dedos quietinhos. Então, as palavras vêm (de curiosas) ver o que se passa e... ZAP! A gente pega e gruda elas por dentro do monitor.
Palavras grudadas ficam paradinhas e não fogem mais.
Parecem mortas. Algumas até estão, mas não todas.
Palavra morta é triste.
Palavra paradinha que tá viva é diferente. Ela fica ali, como quem não quer nada, se fazendo de morta, até que ZAP!, prende o pensamento de alguém.
Às vezes não solta nunca mais.
Noutras, se distrai e aí quem foge é o pensamento.

Saturday, July 22, 2006

Assuntos.



Não achei título melhor e esse texto vai diferente, faço antes. É comum. Muito mais o escrever me dita que dirijo a cena. Bem como delirar numas quaisquer. Em vez de estar discutindo com o patrão coisas que nunca vai ter sequer a possibilidade de falar, tal a dimensão da não realidade em que a maioria dos “ditos” pensamentos transcorre, a criatura poderia estar escrevendo e erguer o próprio patíbulo enviando por carta. Depois tenta salvar algum processando o patrão ou publicando como estudo sociológico.

A maior parte da vida cotidiana, por calma que seja, se passa num ambiente que para a maioria dos observadores, mesmo urbanos, é de uma mesmice enganadora. Se cada um examinar seus pensamentos enquanto os está tendo (e é possível, tu sabes que estás lendo e que estás lendo a mim e etc e tal*), no ato de responder ao quitandeiro com a ladainha de sempre, mas pensando cada vez coisa diferente, vai verificar imensa riqueza de detalhes e em se dando conta disso aumentar essa cota. Podendo inclusive se massacrar com muito mais preocupações.

Antes que esqueça definitivamente o que é o asterisco, é o seguinte: podemos assistir o que estamos pensando, mas isso se dá ( tenho essa impressão ) através da intervenção de um controlador que interrompe o fluir, bom ou nefasto, e o considera. Acredito que tornar essas interrupções o mais freqüentes possível seja o que essa montanha de livros de auto-ajuda quer dizer com “tornar-se consciente”. É simples e não tem picas com parapiscologia, holismo, metafisicismo ou que tais. Sendo que deste último adjetivo só sei que Adibharma o tinha e isso segundo Augusto dos Anjos, que eu mesmo não conheço nenhum dos dois. Nem metafisicismo nem Adibharma.

E, retomando, esse tal controlador, em se dando conta da barbaridade que se está pensando, pode escolher continuar nela ou carregar outro assunto. Qualquer o assunto imaginado, qualquer a solução, o circo que se deseje, as coisas sempre se realizam de outra maneira. A maioria das vezes, nem sempre, pensar, quando não é concentrado num problema específico e de variáveis claramente conhecidas, é inútil, cansativo e, como tal, prejudicial. Um saco. Olhar é muito melhor.

Monday, July 17, 2006

Atalaia II



Demos um jeito na porta com alguns pregos prendendo a tranca da fechadura. O marco da porta ficou destroçado pelo arrombamento. Comer algo. Queijo cozido na brasa de latas de muito antigamente qualquer coisa e cerveja. Carnaval rolando em volta. Duas pessoas por metro quadrado por quilômetros de praia e dezenas de trios elétricos e bares, todos com o som a milhão. Perto de qualquer deles se entendia alguma coisa, mas a concentração de bêbados por metro aumentava insuportavelmente. Cantores atiravam camisinhas na platéia, a farta. Impossível fazer qualquer coisa que não entrar na onda.

É para baixo? Estou nessa.

A farra só amainou uma semana depois. Culpa do Carnaval. Naquele tempo a ressaca ainda era suportável. Comecei a conhecer o terreno, a firma que tinha contratado a informatização da prefeitura. Um aplique nojento gerenciado por um crápula que, entre outras coisas explorava a própria família num restaurante onde a mãe era cozinheira e os irmãos o restante do pessoal. Todos por casa e comida que, afinal, tinha montado o negócio para que eles pudessem viver, mas o lucro era dele. Contou como “o” samaritano.

Cheguei com o barco andando, máquina instalada e o sistema quase pronto. Entrei com uma proposta de aditamento do contrato com a prefeitura para aumentar o dreno, mas não rolou. Ajudei muito pouco. Era vez do Mano trabalhar e alguém tinha de tratar da gênese das confusões que em seu tempo eram o fito, a essência da Coluna Merdas. Foi a primeira experiência de viver na praia. Trago liberado e tempo para exercer o talento em encher a cara e aprontar merda. Eu, o galego irmão do gaúcho, fazendo picas, patrocinando cerveja, cheio de prostituta bonita pra namorar.

Mais na lida da sede que da fome, estive em orgias que não lembro, fiquei noivo várias vezes (uma gravemente, de uma menina filha de uma família de feirantes em Feira de Santana, menor de idade e doidinha por um galego-look nos filhos). Mas os desastres de pouca monta foram bem divertidos e às suturas necessárias hoje falta a dor associada. Dá para brincar de contar e eu gosto.

Saturday, July 15, 2006

Atalaia.





É praia, é mar e não é civilizado. O ar limpo, azul alvejante, um sol mortífero. Carnaval. Acabavam trinta e seis horas de ônibus São Paulo – Aracajú. Eu um destroço fedido, mal dormido e fugindo de São Paulo. Táxi. Casa do Mano. Praia de Atalaia. Oito da manhã.

Segundo piso. Campainha. O mano inteiramente nu, borracho tresnoitado, tendo atrás de si, na sala, quatro casais enovelados e também nus, encontrando um motivo excelente para continuar na faina da orgia. A Gel chega do quarto, também nua e me beija. Vestem-se e saímos para a Toca do Coelho, um quiosque na areia. Nove e pouco. Vodka e cerveja. Não vou longe e tenho de dormir. O apartamento é enorme, na sala já não há ninguém. Meio dia e já tem trio elétrico na praia. O bar Calango, ao lado já tá na função. Apago bebaço e com comprimidos.

Acordo sendo coberto de porradas pelo Mano que tendo saído para beber mais, na volta encontra a porta arrombada. Gritos, confusão, a Gel grudada nele, não entendi nada. Mas algo faz barulho na cozinha. O ladrão voltava para buscar mais. Mais pancadaria, desta vez no meliante. Apanhei porque o Mano, ensandecido pelo trago, pensou que eu havia arrombado a porta para sair, mas estava dentro. Depois mais carnaval, uma coisa. Há um tempo de beber e um tempo de se arrepender disso, mas o melhor é verificar que escapei e contar é divertido.

Wednesday, July 12, 2006

Coisa de Fila.

Não afirmo que este ou aquele assunto são meus preferidos porque posso escrever com total impropriedade sobre qualquer assunto e isso diverte a mim e a ti por igual, apenas de diferentes maneiras. Posso até ter pensado nisso numa fila, mas agora não estou lá e tu podes estar. Azar o teu. Ou quase isso. Fila só é chato se alguma angústia te acossa. Fora isso e incômodos posicionais que até podem ser usados como exercícios, fila pode ser um lugar útil. Mas claro que não para aquele merda que passa a reclamar de tudo como se para tudo tivesse solução e sua intervenção tornasse a ambiente melhor.

O argumento de que tem que expressar o descontentamento vem bater em cheio com um pesado: burrice pensar que melhor atendimento, por muito melhor que seja, vai resolver e que um dia filas não existam mais. Que loucura é essa? Quem tão burro? As cidades por implosão inespecífica ficarão menos populosas?

Uma incontrariável pressão impulsiona os acontecimentos importantes na evolução de qualquer espécie: o aumento do número de indivíduos até o possível no nicho ecológico considerado. Tal o tal equilíbrio da natureza. Lentíssimo no ajuste. Nós temos séculos, ela tem eras. Sem um mecanismo de ajuste as contas serão feitas na marra e até que a espécie aprenda, os sobreviventes, se possíveis, viverão dos restos da tentativa anterior. Sorte sermos da primeira leva. Para nós a Terra ainda é bonita. Mas já foi mais e o aumento indispensável da produção de energia e alimentos não vai reverter o processo.

Para elevar o padrão de vida de todos até a média, considerado o nível de consumo europeu, já seriam precisos 2,1 planetas. A solução virá, mas a se concretizarem as tendências totalitárias de hoje, será necessariamente canalha, drástica e estúpida.

Tuesday, June 20, 2006

Ecos urbanos

“Vai fiadaputa, vai!”
O grito continha uma dose de ódio incutido e saiu voando pela janela, no exato instante em que eu acomodava meu pequeno de ano e meio no balanço.
Depois, foi um “Aaaaaaaaaahhhhh!” que ricocheteou na laje do pátio e veio bater com força em meu ouvido. Existem gritos que falam, que carregam fatos consigo e este era um deles. Na verdade, não era um apenas, eram centenas vindos em ondas, ecos urbanos, nos mais variados tons, saídos de todas as janelas. Então, apanhei o menino no colo, passei ao largo da churrasqueira que servia de berço ao carvão ainda apagado e subi para me inteirar dos fatos. O que acontecera era absolutamente certo, mas o “como” continha dúvida. Fiz minha aposta em base sólida: “Vai fiadaputa, vai!” Era uma voz de mulher, uma mulher com ódio.
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A gente pensa e diz e ouve que a imprensa é inconstante e torna leviana a opinião do público. É fato puro. O amor de hoje é a aversão de amanhã. Basta um comentário, uma entrevista e uma piada, tudo vira quase nada. Pensava nisso, quando passei pela porta do elevador, mantida aberta pela mão do engenheiro que ia comigo ao encontro dos detalhes. Num cruzar de olhos percebi que estávamos de acordo. Éramos irmãos na aposta de quem deveria ir e de fato, como se ouvia, fora.
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Há tiros que se perdem e há tiro e queda. Quando tomei ciência do que ocorrera, vi que acertara na mosca. Ele participara da manobra, não como executor do tiro fatal, mas preparando o fuzilamento. Ronaldo Nazário era o safado, o filho da puta. “Vai, (gordo) fiadaputa, vai!”, era o xingamento para que fizesse algo proveitoso aquele inútil. Ele serviu Adriano. Adriano meteu na rede da Austrália.
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Dado como aleijado, por aposta pessoal de Luiz Felipe Scolari, Ronaldo tornou-se o maior jogador da Copa de 2002. Com mais três gols, torna-se o maior goleador da história dos mundiais. Dificilmente conseguirá alcançar a marca nos jogos que ainda faltam para a seleção brasileira. Esta arrisca cair vítima de si mesma. Mas Ronaldo Nazário merece respeito e terá minha torcida na busca do recorde. A cada gol dele, se houver, não vou gritar (que o menino repete tudo que ouve), mas vou sair pensando pela janela, até bater no teto da vizinha: “Arre, filha da puta!”

Tuesday, June 13, 2006

Homo supra sapiens irrationalis

Era uma vez um bode que disse:
- Quando a mentira nunca é desvendada, quem está mentindo sou eu.
Em seguida o leão falou:
- Se o bode for um mentiroso, o que o dragão diz também é mentira.
Por fim, manifestou-se o dragão:
- Quem for capaz de desvendar a minha mentira, então, ele estará dizendo a verdade.

Qual deles está mentindo?
O paradoxo de Epimênides leva a uma série de conexões que conduzem a conclusão nenhuma.

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Quase assim também é a lógica de certos exemplares, que se querem especiais, mas soçobram no mar ilógico que vomitam. É indigente o pensamento parido pleno de enfeites, mas bamboleante na lógica. O uso de adornos tem a serventia de esconder-lhe os aleijões. Indigentes metidos a sabichões, isso e' o que são. Nem uma vírgula menos. Se a maioria de uma espécie tem determinado comportamento, aquele é um comportamento da espécie. Simples e óbvio. Nem uma vírgula mais. E, se a espécie por acaso é a humana, é bem aí então que a capacidade neural do propositor se apresenta completamente nua. Pode não ser humano um comportamento da maioria da espécie? Quem quiser se excluir do time, que se exclua. Por mutante, excêntrico, o que for... Mas nunca por mais humano. E muito menos por supra sapiens. Por favor, se é para serem ridículos, que tomem as vestes dos seus pensamentos capengas e se cubram com elas. Nus, são dignos de riso.

Monday, May 29, 2006

Atenção.

Nossa atenção via de regra está dividida entre vários pensamentos, cada um atual e momentâneo e tão absorvente como se à instantes atrás não estivéssemos pensando em outra coisa, igualmente cabal. Um bom exemplo disso são os teus pensamentos agora: estou lendo, do que esse cara está falando, está bom, flui, não entendi nada, diabo de criança barulhenta, vizinho chato, que bom um troço para ler (mais no caso de livro que écran é um saco, só textos curtos)... Enfim, isso que te vai pela cachola...

Pois baseado nisso, no nicho que já ocupei entre os diversos assuntos que disputam a tua atenção, dá para estabelecer uma linha de comunicação.

Tendo a tua atenção resta o que fazer com ela, mas isso, claro, é outro assunto.

Wednesday, April 26, 2006

A Síndrome da Primeira Página.



Quando conseguir reunir número significativo de incoerências, terei escrito mais um livro. É essa a idéia da coisa. Escritores expõem seus pensamentos. É o que farei, mas não sou coerente. Tramas surgem e desaparecem sem ranço inspirado. Sem significados ocultos outros que algum sub texto mais elegante e pretensioso. Os todo-amados trocadilhos em farta e ao enfaro. Está valendo qualquer recurso para continuar com tua atenção presa até que me lembre o que tencionava escrever, mesmo que seja uma bobagem das grandes. O que até prefiro.

Levo sobre ti a enorme vantagem de que existe tempo entre um parágrafo e outro. Em compensação, não me respeitas e interrompes quando entendes. Premências do mundo exterior onde existo como referência por um ou outro papo mais absurdo, um dito mais estúpido, um comportamento social agudamente estranho. Essas coisas. Tu então... existes como pretensão minha.

Investindo bem sério nesse lance de me portar socialmente de forma adequada, obter algum proveito em companhias, agrado em novos conhecimentos, tenho reparado que a maioria mente. Ninguém sabe realmente do que está falando. O ouvir dizer gera entendimentos pervertidos e até cruéis. Todos pretendem saber algo importante, de preferência escandaloso, da hora: a síndrome da primeira página.

Em suas próprias áreas de interesse profissional são, alguns, excelências, mas teimam em falar o que não sabem ou opinar estupidamente baseados em qualquer linha de abastecimento logístico de argumentos que, via de regra, tem origem na interpretação já distorcida que um ou outro cronista tem de um determinado fato, dentro de um contexto geral que é deformado ou simplesmente omitido.

Hermann Hesse chamava esse nosso tempo de “época folhetinesca” em “o jogo das contas de vidro”. Qualquer um opina sobre qualquer coisa, entendendo ou não.

Por exemplo, eu. Não entendo picas de política. Alguns podem e se orgulham em estar como arautos de uma farsa onde a catarse se dá através da queima do dinheiro da platéia. Para mim, tornar a participar disso, está fora de questão. Dentro ou fora do picadeiro. Mas adoraria dar palpite e como senhor absoluto e inquestionável do próximo parágrafo, vou arriscar um.

A copa do mundo será o momento político mais importante do ano. O que acontecer durante a copa vai determinar se o Lula segue ou não. E não vai ter nada a ver com o resultado dela, é só que as atenções estarão nela. Qualquer armação vai passar batida, porém... pode ser que não. De toda maneira, que bom assunto para uma mesa de bar.

Sunday, April 09, 2006

O Inimigo Interno.

Essa deve agradar a gregos e goianos. Trata-se de um ridículo que, como não é teu, vai ser só divertido: “a mais alta manifestação da dor estética consiste essencialmente na alegria”. Li isso e guardei, não lembro de quem, talvez Novalis. Então é isso, volto, mais afeito a provocar uns sorrisos algo doloridos.

Dúvidas a respeito de afetos e do que os motiva é humano e comum. Não creio que irracionais as tenham. Uma vez estabelecido o laço afetivo ele jamais será posto em dúvida enquanto a situação não exigir. Como esses bichos não raciocinam, não ficam inventando coisas.

Isso chamou minha a atenção porque no distúrbio bi-polar essa área é profundamente atingida. O cara, e creiam que eu sei e me confesso, não consegue ter certeza se quem está com ele não o faz por alguma vantagem, não está só “se aproveitando” como todos os outros que já anteriormente provaram isso.

Em algum lugar já falei que os mais chegados são os mais atingidos, os mais feridos, os mais ofendidos. E é óbvio. É deles, pela proximidade, que o mundo (quando mau e cruel) se usa para massacrar, magoar, atingir, ferir, ofender. Mas nunca de maneira direta como ele faz, são insidiosos, fingem, atuam até em conjunto. Como o bi-polar já chateou tanto os amigos anteriores que estes tiveram de se afastar para não levar mais porradas (no ponto de vista deles, e com toda injustiça, agressões gratuitas) está provado que todos são traidores. Esse, todos, e mais os que virão.

O mundo de um louco é povoado por si mesmo. Existem ali as pessoas que justificam perfeitamente seu comportamento.

Em geral o bi-polar tem defensivamente o maior orgulho de desprezar a opinião dos outros. Eles podem não gostar de mim, até lhe ofereço motivo... Depois se auto-explica: eu sabia que esse cara só queria se aproveitar... joguei na cara dele e se ofendeu... Pura burrice, loucura extremada! Faz isso normalmente, mas identificará em outros o mesmo procedimento delirante com absoluta nitidez.

É perfeitamente claro que a uma insinuação destas, mesmo um aproveitador vai reagir mal, pior ainda os injustiçados e isso fecha o círculo vicioso que, SE a fase maníaca não resultar em prejuízo material perceptível, a vítima vai esconder. Não só as fase maníacas, vai esconder que vive tenso e orgulhosamente sobrevivendo a própria paranóia num ambiente que ele mesmo se esforçou por tornar especialmente insalubre.
O bi-polar comumente interpreta o sintoma maior da doença como inspiração, um barato pessoal do qual não vai abrir mão: estar empolgado (afinal não é isso o que todos queremos?). Se o fizer na presença de alguém vai sentir-se humilhado por ter tido essa "fraqueza" (esqueci de dizer que para esconder uma sensibilidade a flor da pele, desenvolvi um cinismo exacerbado do qual gosto e que não me abandonou com o tratamento. Aliás, só tive vantagens em todas as frentes).

Mas voltando ao cara que não se aceita. Qualquer sugestão de tratamento ou de existência do distúrbio é, se a situação social o permitir, ridicularizada. Vai mentir, vai proteger a possibilidade de ser quem gosta porque isso não faz mal. É, em grande parte dos casos, muito inteligente. Se não bebe até cair nem joga dinheiro para cima. É normal.

A sacanagem é que muitas vezes o barato maníaco é o exercício descontrolado de um prazer, o maior deles: se sentir o máximo. Nesse ponto entra o raciocínio mais corrosivo de todos: se sou feliz assim não vou me privar disso, os outros que se fodam.

Mas tem detalhes. Primeiro que a situação “inspirado” existe independente da fase maníaca e é mais freqüente e mais produtiva. Pude perceber isso porque no meu caso o achar que podia fazer tudo resultava em dano materiais, pessoais ou não, gravíssimos. Não poderia continuar, a possibilidade de cura (apenas em função dos prejuízos, esclareço) me alegrou, ansiava por algo que fosse efetivo. Ainda assim, inconscientemente me sabotei várias vezes deixando de tomar a medicação, coisa compreensível dado o prêmio enorme que é o sintoma mais evidente da doença o delírio de “sentir-se capaz”. Nada contra isso, mas o sentir-me capaz também incluía beber. Não esperava não perder nada ou ficar tão melhor, queria apenas não morrer bebendo.

Wednesday, April 05, 2006

Delírios.

Do momento em que levantei para estar aqui escrevendo, atendi às inúmeras solicitações que qualquer ato requer, nessas o assunto original costuma desaparecer. Mas desta vez resultou o suficiente para recuperar a linha geral do delírio.

Sim. Rejubile-se. Optei pelo delírio mais ou menos livre. Se isso não interessa, pelo menos diverte. Uma curtição típica de aeroportos. Como fico deste lado da linha de produção dos acontecimentos, não tens nem o trabalho de pensar a bobagem, faço isso por ti. Embora a desordem em meus pensamentos, conversando face a face certamente o resultado total da comunicação, a um nível de troca de idéias, seria pior do que esse que resulta de tua mudez inescapável. Tu não podes me interromper, nem mesmo para concordar. Tu só podes parar de ler. Mas em querendo conversar...

Aqueles diálogos de romance... Impossíveis. E o fio da meada foi-se. Mas volto a insistir que sentei aqui com um propósito específico e tinha algo que pareceu intimamente ligado a nossa percepção das coisas. Algo que ligava o cosmo ao arroz com lingüiça cuja ingestão vou providenciar agora. Não estava ótimo, mas alimenta igual.

Espécies ocupam seu nicho ecológico através do número de indivíduos até um limite que “eras” regulam. Grande parte, senão a maioria das convulsões social resultou em sistemas que permitiram alimentar mais gente, procriar mais, mais rapidamente, mais eficientemente. O próximo drible no ajuste será criar gente em confinamento. Conforme técnicas desenvolvidas no século passado, melhor que entrem no estábulo sorrindo. Vendo tv será melhor ainda. Transferência de renda cheira a isso, democracia implica nisso.

Monday, March 27, 2006

Mudança

Mudar: ato de coragem.
Mas não creia que um cupim,
largue seu campo de pinho
e vá fazer o seu ninho
num saco clean de serragem.

Saturday, March 25, 2006

Internamento Quatro.


Como sentia, como estavam minhas emoções lá no manicômio é coisa que já não faço a menor idéia. É só um assunto engraçado, um causo que lembro sem a menor pena de mim. Não tenho nenhum problema, nenhuma angústia, nenhuma dúvida em relação a nada. Se não tenho certezas em função de que não servem para nada, porque haveria de guardar dúvidas? A maioria dos assuntos me passa como cenas de um circo. Talvez seja coisa do tempo de permanência ou características adquiridas por uma estrutura mental bastante irregular, mas até aqui operante.

Mas o que explicava é que não represento, não sou um personagem. Se conseguisse ser um outro poderia criar personagens, mas não dá. O que pensava na época em que eventualmente tinha de ser trancafiado lembro bem como enredo, mas o que sentia já não posso recuperar. Descrever a dor não é senti-la.

Tem uns por ai que não gostam que acrescente sorte na mistura que compõe minha atual realidade quimicamente estabilizada, mas é impossível. Não confie na sorte, apóie-se nela, é uma espécie de lema para mim. A sorte segue heróis até que os mata, é outro. Não houve qualquer planejamento. Uma conspiração fortuita, tudo sempre se resolvendo pelo melhor, me trouxe aqui.

Não decidi desperdiçar uma teta política que só vem prosperando. Não houve opção moral, houve insanidade. Estava tão imprestável que nem para tirar proveito de um cargo público servia. Envolvido numa trama ridícula, fui convencido a nem aparecer mais e ser um funcionário fantasma em lugar de apenas inútil. Não precisava mais nem ir! Acreditei. Precisava. Dancei. Fui exonerado. E a sorte já começa por ai. Era uma miséria de grana, mas pingava todo o mês e eu me mantinha financeiramente coçando o saco e, de tempos em tempos, desaparecendo. Enchendo a cara por dias, às vezes semanas e, pelo menos uma vez, mais de mês. Emocionalmente destruído e psicótico.

Mas ainda faltava cavar mais um pouco e fui exímio no manejo da pá. (frase inesquecível das tantas que ouvi do Brochado: “a maneira de sair do buraco não é cavando”).

Acabei com o resto da grana em um negócio estúpido, comecei a viver do aluguel da casa onde hoje moro e, de uma pensão, fui para a quarta e espero última hospedagem numa clínica psiquiátrica. Seqüência de um porre de dez dias, depois do qual perdi por completo a capacidade de me comunicar. Estava consciente, andando mal por fraco, não por bêbado, mas não conseguia falar. Lembro que, tentando andar com um mínimo de dignidade rumo a Unidade de Desintoxicação, desabei. Cheguei juntado por enfermeiros.

Não foi a única vez em que tive delírios, mas a única com a noção exata da possibilidade de imersão completa naquela outra realidade e não conseguir escapar. Assustador e por isso mesmo muito fácil de esquecer. Melhor não abrir aquela porta, melhor nem chegar até aquele corredor. Ficarei longe daquela cidade.

Então tá. Entrei na clínica – o Maninho me achou - malito, malito. Um trapo, sangrando e com diversos ferimentos sem importância. Uma graça. Unidade de Desintoxicação(UD). Uma beleza. Eu e a escória. Eu a escória. Outra vez. Lá fora as inevitáveis besteiras, a conta no boteco e qualquer outro tipo de merda que na certa aprontei, esqueci e faço questão de não lembrar.

O médico não conseguia entender minha insistência em que a causa não era o alcoolismo, que não era burro e que sabia que não podia beber e que... e que... enfim... não lembrava de ter começado. Não entendia porque tinha cometido um erro tão estúpido.

Devo ter parecido ainda mais ridículo, supondo isso possível. Preso. A UD é uma espécie de cadeia: grades, colheres, nada de vidros, tudo tão velho que nunca mais vai parecer limpo e gritos dos que ainda estão amarrados. Assim. Bem tipo presídio de filme nacional. E ali, impávido, na frente dele, a maior cara de ressaca, um dos internos mais recentes afirmando que não lembrava de ter começado a beber, nem por quê. Sim, mas de quê lembraria?

Durante mais essa aventura hospitalar meu filho viria para uma competição de natação. Pedi para sair e ficar com ele por um dia. O que entendi da resposta do médico, Dr. Aristeu, e o que ela efetivamente foi não fecha. No dia marcado, fui pegar o visto de saída. Negado.

Se, já por experiências anteriores, não tivesse a convicção arraigada de que enfurecer num hospício é péssimo negócio, teria quebrado a cara dele. Instantaneamente compreendi tudo. Vi a conspiração. Era tudo uma farsa, estava preso para sempre. Incomunicável. Naquele tempo mantinha desafetos poderosos, tinha lancetado (justamente) um empresário em muita grana, envolvimentos políticos..., isso corroborava tudo. Estavam todos envolvidos, havia uma conspiração cósmica.

Numa outra consulta, mais calmo, contei o delírio, um pouco mais de conversa sobre se esses delírios paranóicos eram comuns e quando, patati... patatá... e ele sacou, deu o diagnóstico, o remédio, a dosagem e uma vida nova. Dr. Aristeu, Clínica Psiquiátrica São José, São Jose, SC. Citá-lo e a clínica onde recebi excelente tratamento já em outras passagens, é o mínimo que posso fazer.

Mas lá dentro o tempo não passa rápido. Na primeira semana foi primeira classe, teve até visita sexual. Depois, mais lúcido(ou menos), optei pelo SUS. Na merda, mais merda. Tudo de uma vez.

Não havia intenção, mas uma estada nos escalões mais baixos da sociedade mostra bastante sobre uma realidade impenetrável para quem não esteve lá.

Tagarelice é gostosa se o som da voz for legal, mas por hoje deu.

Monday, March 20, 2006

De se pensar

Se você fosse um mendigo de rua, iria fixar residência ou trocaria de endereço com freqüência? Se os restos de comida que lhe trouxessem fossem saborosos, isso seria motivo para fazê-lo abandonar a vida de nômade? A existência de um fornecedor de álcool sem mistura nas proximidades seria fator relevante para deitar raízes? E a mobília que você acumulasse poderia transformar-se num grilhão? Um mendigo tem questões complexas a resolver. Talvez por isso eles se reúnam em grupos e passem o dia discutindo. Depois, ficam se revirando no papelão e não deixam as moscas em paz.

Friday, March 17, 2006

Uma Trajetória Errante(Zero).



É assim: tu sempre começas a ler pelo final. Está bem... início do último texto. De qualquer maneira este é um problema de diversas pontas soltas. Repetir não dá, a menos de uma sinopse que vai me custar o saco e que aos interessados não vai interessar. Não vou fazer.

Um pouco de esforço e pelo menos isso dá para entender: a proposição é contar, na real, sem frescuras ou comedimentos morais (dor moral para mim é algo como uma dor em membro ausente) o que aconteceu em alguns momentos particularmente risíveis de minha trajetória. Exemplar no que se refere a estupidez.

Não sei mais se expliquei o jogo de palavras. Errante está como “de erro em erro”.

Não está como uma biografia porque descobri que, lá no fundo, que não sou tão cruel, ou sou apenas mais covarde do que imaginava, e não vou expor nem vivos nem mortos a menos que políticos ou figuras já públicas.

Estou nessa conversa mole para capturar leitores não mentecaptos e que entendam que para contar o que aconteceu de uma maneira útil, tem de ser do começo para o fim e não como estes textos se organizam no blog. Tu sempre vai pegar o começo do último texto e mais, tu lês quando tens saco para isso, eu também uso desse direito para escrever.

Não sei se esse negócio é hereditário ou não (o distúrbio emocional bipolar), faltam-me dados. Toda a experiência é única, o entendimento também. Comigo foi assim, tenho certeza

Com o conhecimento e a cômoda estabilidade depois que se amainaram as crises ( elas não desaparecem e no fim terminam por divertidas se usadas da melhor maneira ) constato com o olhar seriamente comprometido pelo tempo, que meu pai tinha atitudes tipicamente bipolares. Ficava emburrado por tempo indeterminado de tempos em tempos. Não posso julgar se com razão ou não, mas nunca achei justo ou entendi o porque de ficar exigente com todos. Cachorro incluído. Agora dá para entender.

As crises devem ter sido terríveis também para ele. Para os que o cercavam o terreno ficava pantanoso, qualquer deslize poderia ter conseqüências imprevisíveis, tudo poderia se interpretado como parte de uma conspiração cujo objetivo era impreciso, mas certamente malévolo. Qualquer atitude, de qualquer um, tinha a intenção de feri-lo. É como lembro.

E é bem a onda. No entanto nunca senti da parte dele as emanações de ódio que, acredito, eram claríssimas em mim. Resumindo, não me sinto nem um pouco abalado ou afetado pela bipolaridade dele que, lembro em tempo, é apenas uma teoria minha.

Não lembro da infância nem na base da reconstrução por fotos ou causos contados em raros encontros familiares, mas insisto que um ponto a ser examinado é o de que se nasce bipolar, e o desenvolvimento da doença até que seja notada afeta decisivamente o amadurecimento e a sociabilização de um indivíduo.

Quanto é muito, quanto é pouco? O teu saco ou o meu? O meu. Além de que não tem mais explicação, gasta muito tempo.

Thursday, March 16, 2006

Uma Trajetória Errante(II)

Ainda não estava óbvio para mim que a única maneira de escrever é como se estivesse batendo um papo. De outro jeito não me interessa. Posso até contar algumas coisas das mais horrendas nas tantas erradas em que entrei. Até certo ponto, certa altura, fui um péssimo representante de mim mesmo. Alguns quadros são notáveis, mas me colocar em alguma obrigação de coerência é tolice. Não sou coerente.

Errando aprendi a errar mais. Aperfeiçoei ao limite a capacidade de escolher o pior caminho e seguir por ele estoicamente, vítima de minha própria estupidez e movido unicamente por apaixonado desinteresse por tudo. Nada fazia sentido e a única certeza é que a vida era uma sacanagem muito grande, uma piada de gosto lamentável onde o motivo da chacota era sempre eu. Minhas emoções a respeito de qualquer assunto variavam da consideração mais racional e luminosa, verdadeiramente inspirada, até a cretinice mais absurda e uma raiva irracional que a muitos custou feridas. Das minhas posso tratar, mas e das infligi aos amigos?

De certa forma as mais fortes referências emocionais de um maluco bi-polar são as vítimas mais freqüentes da paranóia associada. Dependendo do humor, a ajuda que recebi de alguém, e bem a vi como tal na ocasião, vai parecer, num outro momento, a mais vil traição. Acredite, é possível.

Porque julgo da maior utilidade – me teria sido muito útil – vou tentar descrever como se instala o período maníaco da bipolaridade, o momento em que a vítima pensa e concorda consigo mesmo que pode exercer a sua mania só um pouquinho. Mas, atenção, esse momento já não é lúcido: outras besteiras podem ter sido feitas, decisões erradas tomadas e até a procura do motivo adequado para o passo decisivo no rumo do desastre certo.

Não sou técnico, mas pensei muito sobre o assunto. Tive de olhar bem na minha cara. Para prever e minimizar os períodos em de qualquer forma estou deprimido, mas já não sofrendo com isso ( explico depois ). Tenho de examinar constantemente a forma como estou pensando, como está o meu humor em relação a coisas cuja relação comigo é imutável. Qual o nível crítico aceitável de variação nos meus julgamentos? Quanto ácido valpróico tenho em estoque? Essas coisinhas só dependem de um esforço mínimo.

Se e quando tiver um psicótico a espreita destas linhas, saiba que de modo algum sou ou serei manso na autocrítica. Vou expor com a clareza possível o quanto é inteiramente possível controlar a doença e, principalmente, o quanto é interessante para a vítima NÃO a controlar.

Suponho que o tempo acabou. Prometo mais assiduidade.

Tuesday, March 14, 2006

Uma Trajetória Errante(I)

Inventando Motivo

Escrever é bom quando flui. É o que torna bom ler. O prazer em escrever. O dar-se. Entregar o pensamento a um outro por concordância plena. O assunto pode até ser importante - se existirem assuntos importantes - mas o como, a forma, é essencial. O texto tem de entrar sem ponto. Explicar sem vírgula.

Estás de pleno acordo, mas nunca pensastes nisso... Não é assim?

O vínculo que se estabelece entre quem escreve em quem lê, quando é pela aventura de seguir um outro pensamento, é bem o da amizade sem o seguidamente incômodo da presença física. É desejável quando te decidires a isso e não precisas estar vestido.

Tu sabes do que estou falando, eu também. É como uma conversa agradável que não te solicita que fales. Ler também é como jogar conversa fora, ou num blog.



Uma Trajetória Errante(I)

E o motivo para ler tem de ser o mesmo para ti e para mim, afinal tu achas que esse texto sai direto? Não. Leio e escovo até que o primeiro leitor goste. Além do mais também tenho curiosidade de saber como vai sair uma descrição do que me aconteceu, como foi chegar aqui, na praia. Evidente que do oceano seria muito simples. Vim através do continente, nadando do seco, do difícil, do burro.

Começa que não usei a minha vida, assisti. Vi o desenrolar de uma tragédia pessoal inteiramente sem propósito. Natural que fiz uma escolha: vou no que pintar, sem plano. Um engano trazendo outro e tudo se encadeando para um final desagradável que já não parece vá acontecer, mas sabe-se lá...

De um livro daqueles sempre lidos na adolescência guardei uma expressão: não analisa. Chama “Encontro Marcado” e o escritor é Fernando Sabino, ótimo. Tudo o que fiz foi mais ou menos assim, sem analisar as conseqüências, implicações ou repercussões. Na idade comum à procriação tive uma filha de um casamento que não foi idéia minha e depois, bem logo, mais uma filha e um filho de outro casamento que também não foi idéia minha.

Em nenhum momento achei que fossem dar certo, mas era o andar aparentemente natural das coisas. Não pretendi e nada fiz que pudesse tornar esses relacionamentos em sucessos. É totalmente indiferente assumir culpas. Não as sinto. Quanto ao pecado original, só lamento não ter participado.

Já de muito antes dos casamentos deixava que os acontecimentos acontecessem sozinhos em quase todas as direções. Tenho dificuldades com escolhas, até hoje um menu é um incômodo, quando não um horrível constrangimento: ali, no nojento momento do cardápio, comeria qualquer coisa só para não decidir.

Algumas mães muito estúpidas avaliam os filhos pela idade que tem. Antes de mim, um ano e um mês antes, meus pais tiveram o único irmão sanguíneo por completo que tenho. Um aplique certeiro de minha mãe em um médico famoso e, na época, bem de grana. Como já se vê, quem a salvou da miséria foi ele ( meu irmão ) e não eu.

Essa mulher me cuidava pra não levar bronca do velho. Papel de mãe nunca fez, era uma espécie de polícia que protegia o primeiro filho varão do estorvo que surgiu depois. Eu. Manifestar ser melhor que meu irmão (a ele não cabe responsabilidade alguma) era pecado e abria as portas do inferno. Um inferno real. A falta de carinho da parte dela até exerceu seus efeitos, mas nada comparado ao desprezo e o repúdio explícito ofertado quando me destacava mais que o preferido em qualquer atividade. Aprendi a sempre ser o segundo. Fazer o melhor possível resultava mau.

Vale observar que tenho distúrbio emocional bipolar e posso ter sido daquelas crianças que mordem a teta o que, de certa forma, a justificaria (minha mãe tinha o primário incompleto). Sempre fui chato e problemático, minha infância, da qual não lembro picas, piorou algo que já deve ter vindo de berço.

E aqui bati num assunto de interesse: a bipolaridade.

Tentando ser menos cruel do que fui no parágrafo em que descrevo a mulher que me cuidou, vou contar como foi uma vida bipolar. Do ponto de vista do paciente que, no caso, foi também agente. Começa pela pré-adolescência. Capítulo esportes: natação.

Antes, uma colocação. Quase nunca fiz exames, em geral passava por média ou fazia provas por excesso de faltas e nunca, absolutamente, nunca estudei. Ler bastava. Isso, como se verá, até o vestibular de Medicina. Naquela ocasião, ameaçado de ter de me sustentar se não passasse, tive que encarar sério um rush de dois meses de árduos estudos. Foram suficientes para dez anos e seis vestibulares. Comecei vários cursos universitários e não conclui nenhum. Aliás, confesso, nunca conclui nada.

(Agora peguei vários leitores. Para interessar ainda mais, tem alcoolismo no meio!!!)

Monday, March 13, 2006

Ora blogs

Escrever num blog é fácil.
Ser lido é não.
Pessoal vão ler coisas que outros depositam por dois motivos extremos:
1) porque amam as coisas que o postante escreve, e
2) porque odeiam.
As primeiras vêm para sentir gosto de mel.
As segundas para destilar fel.
Não era para rimar, mas aí está. Fazer o quê?
Então, tornar um blog popular é fazê-lo chegar às populações que habitam a vizinhança dos pólos da opinião expressa.
Mas ser lido não é tudo: pode ser diversão escrever apenas por exercício, como quem deseja tirar a flacidez de alguma barriga mental.
É possível ser apenas isso e pode ser bom.

Sunday, March 12, 2006

Despertando Interesse

Desta vez devo conseguir. Claro que lembrar do texto anterior, perdido durante o processo de "blogagem", não conseguirei, mas era bem interessante. Mais limpo e caprichado que este que já vai na pressa da raiva de ter perdido o outro.

Falava sobre o interesse quase mágico do Leitor Suposto. É o que me leva a escrever. Satisfazer esse cara virtualmente teórico que gosta do modo e não exatamente do que escrevo.

Mais enfeitado, o texto anterior falava nessas de escrever como uma forma de comunicação "para fora da possibilidade do soco", à distância conveniente para ofensas. O Leitor Suposto é um saco de pancadas e tanto, alguns escrevem na suposição de que ele gosta é de ser ofendido, ter as opiniões contrariadas... etc... tudo são maneiras de despertar interesse.

Não vou fazer diferente, também vou pelo teu interesse, mas senta mais confortável que só quero é levar um papo e, entre algumas teorias sobre o tudo, questões cósmicas de premente importância, me divertir com isso. Tenta fazer o mesmo.

Wednesday, March 08, 2006

Primeiro

O primeiro post é algo concreto.
Ou não?