Estar fazendo nada é um bom objetivo de vida. Não importa se na praia ou lugar qualquer. Os momentos de solidão verdadeira, sem pensamentos pretensamente úteis, só besteira. A luz que dança na pálpebra fechada. Qual a sensação produzida pela textura do tecido da roupa que toca e roça a pele, essas coisas que, por importância nenhuma tem a máxima.
Assim que um dos modos de estar fazendo nada é contar o que vejo, aqui. Um jornal de bairro sem expressão outra que um bom dia mais caloroso de alguém que citei por acontecer de passar na minha frente. Faço isso muito. Meu posto de observação é o deck frontal de uma padaria. Café, cigarros, às vezes pão. O importante é o café e o cigarro. Vários até acabar a dose de cafeína.
Poucas vezes acontece coisa que valha a pena sem os enfeites de que isso e que aquilo, horizonte bonito, dia chuvoso, dia de sol, enfim, o comum em qualquer papo que é esta a minha conversa. Sozinho. Conversando coisas que a garota da loja de frente (casada, me parece), linda, nem sonha ouvir de alguém. E os passantes. O bebum que volta e meia dá uma incerta aqui em casa e rouba trecos que já iriam fora. Fica no bar da esquina, quando me vê entrar no ônibus, entende que a casa está sozinha. Sabe que não tem cachorro, vem e tenta entrar. Não consegue. Quebra um vidro e pega o que alcança. Sempre mixaria, sempre incomoda.
Mas não era isso. Pensava nos tipos, nas vidas em volta dos tipos. A moça linda da loja de frente deve ser casada com o mecânico eletrônico e os dois devem ser donos da loja. Têm um carro Eclipse. Total fora do que parece poder pagar. Construí esse passado: ele ganhou num bingo. A primeira vez que vi o tal carro era tempo de prêmio desses em bingos. Não recordo o que era ali antes da eletrônica. Então: são casados, trabalham juntos e resolveram ficar com o carro (caríssimo) porque nunca mais poderiam ter um troço daqueles.
É assim que rola, aplico histórias sobre pessoas reais. Recrio partes de passados de modo a que possam resultar nos personagens que hoje se apresentam. Depois me estendo mais sobre a Moça Linda e o Cara com o Eclipse. Quero explicar que não costumo falar sobre quem não é habitual no meu pedaço. Tem muito turista, gente que chega não é novidade. Sempre tem turista turistando. É chatíssimo. Turista empesta tudo. Nativos também. Territórios deveriam ser por direito de conquista. A política do chega, expulsa ou come, cerca e mantém. De certa forma é o que faço e nem chove dentro. Minha caverna é ótima.
Mas há os que se tornam habituais de imediato. Passou batido, mas me ocorreu que pode ser teatro. Excelente, mas teatro. Gostei direto. Simpático na medida, não muito efusivo, mas chamativo por natureza. Vi que entrava na padaria. Cena comum. Voltei ao café, evitei o próximo na sequência de cigarros e tudo atrás mim explodiu em gargalhadas como há muito não se ouve. Certamente uma apresentação do Monty Python. Não era. Era o Gago.
Chegou de bicicleta. Uma coisa apodrecida, modelo ninguém rouba. Na entrada, com a voz de quem recentemente quebrou o nariz, declarou (dois ou três fregueses, eu no deck de onde nada ouvi, duas atendentes mais o caixa):
- Nã mii impoto que riiam di bim, é tri tri tri iengrraççado, ttambbém acho-cho. Ga-gago eu so-sou! Bais fanho não!
Uma figuraça. Um aposentado super engraçado. Médico ginecologista. Uma puta casa. Das maiores do bairro e não tem carro. Diz que não “brecicisa”. O doutor não apenas parece gago como nunca deixou de ser fanho, embora não admita e fique fu-furii iii e isso na bra-abesa não sai. Todos riem, ele também. Resulta que ficou conhecido como o gago que não é fanho.
- Nã mii impoto que riiam di bim, é tri tri tri iengrraççado, ttambbém acho-cho. Ga-gago eu so-sou! Bais fanho não!
Uma figuraça. Um aposentado super engraçado. Médico ginecologista. Uma puta casa. Das maiores do bairro e não tem carro. Diz que não “brecicisa”. O doutor não apenas parece gago como nunca deixou de ser fanho, embora não admita e fique fu-furii iii e isso na bra-abesa não sai. Todos riem, ele também. Resulta que ficou conhecido como o gago que não é fanho.