Monday, March 27, 2006

Mudança

Mudar: ato de coragem.
Mas não creia que um cupim,
largue seu campo de pinho
e vá fazer o seu ninho
num saco clean de serragem.

Saturday, March 25, 2006

Internamento Quatro.


Como sentia, como estavam minhas emoções lá no manicômio é coisa que já não faço a menor idéia. É só um assunto engraçado, um causo que lembro sem a menor pena de mim. Não tenho nenhum problema, nenhuma angústia, nenhuma dúvida em relação a nada. Se não tenho certezas em função de que não servem para nada, porque haveria de guardar dúvidas? A maioria dos assuntos me passa como cenas de um circo. Talvez seja coisa do tempo de permanência ou características adquiridas por uma estrutura mental bastante irregular, mas até aqui operante.

Mas o que explicava é que não represento, não sou um personagem. Se conseguisse ser um outro poderia criar personagens, mas não dá. O que pensava na época em que eventualmente tinha de ser trancafiado lembro bem como enredo, mas o que sentia já não posso recuperar. Descrever a dor não é senti-la.

Tem uns por ai que não gostam que acrescente sorte na mistura que compõe minha atual realidade quimicamente estabilizada, mas é impossível. Não confie na sorte, apóie-se nela, é uma espécie de lema para mim. A sorte segue heróis até que os mata, é outro. Não houve qualquer planejamento. Uma conspiração fortuita, tudo sempre se resolvendo pelo melhor, me trouxe aqui.

Não decidi desperdiçar uma teta política que só vem prosperando. Não houve opção moral, houve insanidade. Estava tão imprestável que nem para tirar proveito de um cargo público servia. Envolvido numa trama ridícula, fui convencido a nem aparecer mais e ser um funcionário fantasma em lugar de apenas inútil. Não precisava mais nem ir! Acreditei. Precisava. Dancei. Fui exonerado. E a sorte já começa por ai. Era uma miséria de grana, mas pingava todo o mês e eu me mantinha financeiramente coçando o saco e, de tempos em tempos, desaparecendo. Enchendo a cara por dias, às vezes semanas e, pelo menos uma vez, mais de mês. Emocionalmente destruído e psicótico.

Mas ainda faltava cavar mais um pouco e fui exímio no manejo da pá. (frase inesquecível das tantas que ouvi do Brochado: “a maneira de sair do buraco não é cavando”).

Acabei com o resto da grana em um negócio estúpido, comecei a viver do aluguel da casa onde hoje moro e, de uma pensão, fui para a quarta e espero última hospedagem numa clínica psiquiátrica. Seqüência de um porre de dez dias, depois do qual perdi por completo a capacidade de me comunicar. Estava consciente, andando mal por fraco, não por bêbado, mas não conseguia falar. Lembro que, tentando andar com um mínimo de dignidade rumo a Unidade de Desintoxicação, desabei. Cheguei juntado por enfermeiros.

Não foi a única vez em que tive delírios, mas a única com a noção exata da possibilidade de imersão completa naquela outra realidade e não conseguir escapar. Assustador e por isso mesmo muito fácil de esquecer. Melhor não abrir aquela porta, melhor nem chegar até aquele corredor. Ficarei longe daquela cidade.

Então tá. Entrei na clínica – o Maninho me achou - malito, malito. Um trapo, sangrando e com diversos ferimentos sem importância. Uma graça. Unidade de Desintoxicação(UD). Uma beleza. Eu e a escória. Eu a escória. Outra vez. Lá fora as inevitáveis besteiras, a conta no boteco e qualquer outro tipo de merda que na certa aprontei, esqueci e faço questão de não lembrar.

O médico não conseguia entender minha insistência em que a causa não era o alcoolismo, que não era burro e que sabia que não podia beber e que... e que... enfim... não lembrava de ter começado. Não entendia porque tinha cometido um erro tão estúpido.

Devo ter parecido ainda mais ridículo, supondo isso possível. Preso. A UD é uma espécie de cadeia: grades, colheres, nada de vidros, tudo tão velho que nunca mais vai parecer limpo e gritos dos que ainda estão amarrados. Assim. Bem tipo presídio de filme nacional. E ali, impávido, na frente dele, a maior cara de ressaca, um dos internos mais recentes afirmando que não lembrava de ter começado a beber, nem por quê. Sim, mas de quê lembraria?

Durante mais essa aventura hospitalar meu filho viria para uma competição de natação. Pedi para sair e ficar com ele por um dia. O que entendi da resposta do médico, Dr. Aristeu, e o que ela efetivamente foi não fecha. No dia marcado, fui pegar o visto de saída. Negado.

Se, já por experiências anteriores, não tivesse a convicção arraigada de que enfurecer num hospício é péssimo negócio, teria quebrado a cara dele. Instantaneamente compreendi tudo. Vi a conspiração. Era tudo uma farsa, estava preso para sempre. Incomunicável. Naquele tempo mantinha desafetos poderosos, tinha lancetado (justamente) um empresário em muita grana, envolvimentos políticos..., isso corroborava tudo. Estavam todos envolvidos, havia uma conspiração cósmica.

Numa outra consulta, mais calmo, contei o delírio, um pouco mais de conversa sobre se esses delírios paranóicos eram comuns e quando, patati... patatá... e ele sacou, deu o diagnóstico, o remédio, a dosagem e uma vida nova. Dr. Aristeu, Clínica Psiquiátrica São José, São Jose, SC. Citá-lo e a clínica onde recebi excelente tratamento já em outras passagens, é o mínimo que posso fazer.

Mas lá dentro o tempo não passa rápido. Na primeira semana foi primeira classe, teve até visita sexual. Depois, mais lúcido(ou menos), optei pelo SUS. Na merda, mais merda. Tudo de uma vez.

Não havia intenção, mas uma estada nos escalões mais baixos da sociedade mostra bastante sobre uma realidade impenetrável para quem não esteve lá.

Tagarelice é gostosa se o som da voz for legal, mas por hoje deu.

Monday, March 20, 2006

De se pensar

Se você fosse um mendigo de rua, iria fixar residência ou trocaria de endereço com freqüência? Se os restos de comida que lhe trouxessem fossem saborosos, isso seria motivo para fazê-lo abandonar a vida de nômade? A existência de um fornecedor de álcool sem mistura nas proximidades seria fator relevante para deitar raízes? E a mobília que você acumulasse poderia transformar-se num grilhão? Um mendigo tem questões complexas a resolver. Talvez por isso eles se reúnam em grupos e passem o dia discutindo. Depois, ficam se revirando no papelão e não deixam as moscas em paz.

Friday, March 17, 2006

Uma Trajetória Errante(Zero).



É assim: tu sempre começas a ler pelo final. Está bem... início do último texto. De qualquer maneira este é um problema de diversas pontas soltas. Repetir não dá, a menos de uma sinopse que vai me custar o saco e que aos interessados não vai interessar. Não vou fazer.

Um pouco de esforço e pelo menos isso dá para entender: a proposição é contar, na real, sem frescuras ou comedimentos morais (dor moral para mim é algo como uma dor em membro ausente) o que aconteceu em alguns momentos particularmente risíveis de minha trajetória. Exemplar no que se refere a estupidez.

Não sei mais se expliquei o jogo de palavras. Errante está como “de erro em erro”.

Não está como uma biografia porque descobri que, lá no fundo, que não sou tão cruel, ou sou apenas mais covarde do que imaginava, e não vou expor nem vivos nem mortos a menos que políticos ou figuras já públicas.

Estou nessa conversa mole para capturar leitores não mentecaptos e que entendam que para contar o que aconteceu de uma maneira útil, tem de ser do começo para o fim e não como estes textos se organizam no blog. Tu sempre vai pegar o começo do último texto e mais, tu lês quando tens saco para isso, eu também uso desse direito para escrever.

Não sei se esse negócio é hereditário ou não (o distúrbio emocional bipolar), faltam-me dados. Toda a experiência é única, o entendimento também. Comigo foi assim, tenho certeza

Com o conhecimento e a cômoda estabilidade depois que se amainaram as crises ( elas não desaparecem e no fim terminam por divertidas se usadas da melhor maneira ) constato com o olhar seriamente comprometido pelo tempo, que meu pai tinha atitudes tipicamente bipolares. Ficava emburrado por tempo indeterminado de tempos em tempos. Não posso julgar se com razão ou não, mas nunca achei justo ou entendi o porque de ficar exigente com todos. Cachorro incluído. Agora dá para entender.

As crises devem ter sido terríveis também para ele. Para os que o cercavam o terreno ficava pantanoso, qualquer deslize poderia ter conseqüências imprevisíveis, tudo poderia se interpretado como parte de uma conspiração cujo objetivo era impreciso, mas certamente malévolo. Qualquer atitude, de qualquer um, tinha a intenção de feri-lo. É como lembro.

E é bem a onda. No entanto nunca senti da parte dele as emanações de ódio que, acredito, eram claríssimas em mim. Resumindo, não me sinto nem um pouco abalado ou afetado pela bipolaridade dele que, lembro em tempo, é apenas uma teoria minha.

Não lembro da infância nem na base da reconstrução por fotos ou causos contados em raros encontros familiares, mas insisto que um ponto a ser examinado é o de que se nasce bipolar, e o desenvolvimento da doença até que seja notada afeta decisivamente o amadurecimento e a sociabilização de um indivíduo.

Quanto é muito, quanto é pouco? O teu saco ou o meu? O meu. Além de que não tem mais explicação, gasta muito tempo.

Thursday, March 16, 2006

Uma Trajetória Errante(II)

Ainda não estava óbvio para mim que a única maneira de escrever é como se estivesse batendo um papo. De outro jeito não me interessa. Posso até contar algumas coisas das mais horrendas nas tantas erradas em que entrei. Até certo ponto, certa altura, fui um péssimo representante de mim mesmo. Alguns quadros são notáveis, mas me colocar em alguma obrigação de coerência é tolice. Não sou coerente.

Errando aprendi a errar mais. Aperfeiçoei ao limite a capacidade de escolher o pior caminho e seguir por ele estoicamente, vítima de minha própria estupidez e movido unicamente por apaixonado desinteresse por tudo. Nada fazia sentido e a única certeza é que a vida era uma sacanagem muito grande, uma piada de gosto lamentável onde o motivo da chacota era sempre eu. Minhas emoções a respeito de qualquer assunto variavam da consideração mais racional e luminosa, verdadeiramente inspirada, até a cretinice mais absurda e uma raiva irracional que a muitos custou feridas. Das minhas posso tratar, mas e das infligi aos amigos?

De certa forma as mais fortes referências emocionais de um maluco bi-polar são as vítimas mais freqüentes da paranóia associada. Dependendo do humor, a ajuda que recebi de alguém, e bem a vi como tal na ocasião, vai parecer, num outro momento, a mais vil traição. Acredite, é possível.

Porque julgo da maior utilidade – me teria sido muito útil – vou tentar descrever como se instala o período maníaco da bipolaridade, o momento em que a vítima pensa e concorda consigo mesmo que pode exercer a sua mania só um pouquinho. Mas, atenção, esse momento já não é lúcido: outras besteiras podem ter sido feitas, decisões erradas tomadas e até a procura do motivo adequado para o passo decisivo no rumo do desastre certo.

Não sou técnico, mas pensei muito sobre o assunto. Tive de olhar bem na minha cara. Para prever e minimizar os períodos em de qualquer forma estou deprimido, mas já não sofrendo com isso ( explico depois ). Tenho de examinar constantemente a forma como estou pensando, como está o meu humor em relação a coisas cuja relação comigo é imutável. Qual o nível crítico aceitável de variação nos meus julgamentos? Quanto ácido valpróico tenho em estoque? Essas coisinhas só dependem de um esforço mínimo.

Se e quando tiver um psicótico a espreita destas linhas, saiba que de modo algum sou ou serei manso na autocrítica. Vou expor com a clareza possível o quanto é inteiramente possível controlar a doença e, principalmente, o quanto é interessante para a vítima NÃO a controlar.

Suponho que o tempo acabou. Prometo mais assiduidade.

Tuesday, March 14, 2006

Uma Trajetória Errante(I)

Inventando Motivo

Escrever é bom quando flui. É o que torna bom ler. O prazer em escrever. O dar-se. Entregar o pensamento a um outro por concordância plena. O assunto pode até ser importante - se existirem assuntos importantes - mas o como, a forma, é essencial. O texto tem de entrar sem ponto. Explicar sem vírgula.

Estás de pleno acordo, mas nunca pensastes nisso... Não é assim?

O vínculo que se estabelece entre quem escreve em quem lê, quando é pela aventura de seguir um outro pensamento, é bem o da amizade sem o seguidamente incômodo da presença física. É desejável quando te decidires a isso e não precisas estar vestido.

Tu sabes do que estou falando, eu também. É como uma conversa agradável que não te solicita que fales. Ler também é como jogar conversa fora, ou num blog.



Uma Trajetória Errante(I)

E o motivo para ler tem de ser o mesmo para ti e para mim, afinal tu achas que esse texto sai direto? Não. Leio e escovo até que o primeiro leitor goste. Além do mais também tenho curiosidade de saber como vai sair uma descrição do que me aconteceu, como foi chegar aqui, na praia. Evidente que do oceano seria muito simples. Vim através do continente, nadando do seco, do difícil, do burro.

Começa que não usei a minha vida, assisti. Vi o desenrolar de uma tragédia pessoal inteiramente sem propósito. Natural que fiz uma escolha: vou no que pintar, sem plano. Um engano trazendo outro e tudo se encadeando para um final desagradável que já não parece vá acontecer, mas sabe-se lá...

De um livro daqueles sempre lidos na adolescência guardei uma expressão: não analisa. Chama “Encontro Marcado” e o escritor é Fernando Sabino, ótimo. Tudo o que fiz foi mais ou menos assim, sem analisar as conseqüências, implicações ou repercussões. Na idade comum à procriação tive uma filha de um casamento que não foi idéia minha e depois, bem logo, mais uma filha e um filho de outro casamento que também não foi idéia minha.

Em nenhum momento achei que fossem dar certo, mas era o andar aparentemente natural das coisas. Não pretendi e nada fiz que pudesse tornar esses relacionamentos em sucessos. É totalmente indiferente assumir culpas. Não as sinto. Quanto ao pecado original, só lamento não ter participado.

Já de muito antes dos casamentos deixava que os acontecimentos acontecessem sozinhos em quase todas as direções. Tenho dificuldades com escolhas, até hoje um menu é um incômodo, quando não um horrível constrangimento: ali, no nojento momento do cardápio, comeria qualquer coisa só para não decidir.

Algumas mães muito estúpidas avaliam os filhos pela idade que tem. Antes de mim, um ano e um mês antes, meus pais tiveram o único irmão sanguíneo por completo que tenho. Um aplique certeiro de minha mãe em um médico famoso e, na época, bem de grana. Como já se vê, quem a salvou da miséria foi ele ( meu irmão ) e não eu.

Essa mulher me cuidava pra não levar bronca do velho. Papel de mãe nunca fez, era uma espécie de polícia que protegia o primeiro filho varão do estorvo que surgiu depois. Eu. Manifestar ser melhor que meu irmão (a ele não cabe responsabilidade alguma) era pecado e abria as portas do inferno. Um inferno real. A falta de carinho da parte dela até exerceu seus efeitos, mas nada comparado ao desprezo e o repúdio explícito ofertado quando me destacava mais que o preferido em qualquer atividade. Aprendi a sempre ser o segundo. Fazer o melhor possível resultava mau.

Vale observar que tenho distúrbio emocional bipolar e posso ter sido daquelas crianças que mordem a teta o que, de certa forma, a justificaria (minha mãe tinha o primário incompleto). Sempre fui chato e problemático, minha infância, da qual não lembro picas, piorou algo que já deve ter vindo de berço.

E aqui bati num assunto de interesse: a bipolaridade.

Tentando ser menos cruel do que fui no parágrafo em que descrevo a mulher que me cuidou, vou contar como foi uma vida bipolar. Do ponto de vista do paciente que, no caso, foi também agente. Começa pela pré-adolescência. Capítulo esportes: natação.

Antes, uma colocação. Quase nunca fiz exames, em geral passava por média ou fazia provas por excesso de faltas e nunca, absolutamente, nunca estudei. Ler bastava. Isso, como se verá, até o vestibular de Medicina. Naquela ocasião, ameaçado de ter de me sustentar se não passasse, tive que encarar sério um rush de dois meses de árduos estudos. Foram suficientes para dez anos e seis vestibulares. Comecei vários cursos universitários e não conclui nenhum. Aliás, confesso, nunca conclui nada.

(Agora peguei vários leitores. Para interessar ainda mais, tem alcoolismo no meio!!!)

Monday, March 13, 2006

Ora blogs

Escrever num blog é fácil.
Ser lido é não.
Pessoal vão ler coisas que outros depositam por dois motivos extremos:
1) porque amam as coisas que o postante escreve, e
2) porque odeiam.
As primeiras vêm para sentir gosto de mel.
As segundas para destilar fel.
Não era para rimar, mas aí está. Fazer o quê?
Então, tornar um blog popular é fazê-lo chegar às populações que habitam a vizinhança dos pólos da opinião expressa.
Mas ser lido não é tudo: pode ser diversão escrever apenas por exercício, como quem deseja tirar a flacidez de alguma barriga mental.
É possível ser apenas isso e pode ser bom.

Sunday, March 12, 2006

Despertando Interesse

Desta vez devo conseguir. Claro que lembrar do texto anterior, perdido durante o processo de "blogagem", não conseguirei, mas era bem interessante. Mais limpo e caprichado que este que já vai na pressa da raiva de ter perdido o outro.

Falava sobre o interesse quase mágico do Leitor Suposto. É o que me leva a escrever. Satisfazer esse cara virtualmente teórico que gosta do modo e não exatamente do que escrevo.

Mais enfeitado, o texto anterior falava nessas de escrever como uma forma de comunicação "para fora da possibilidade do soco", à distância conveniente para ofensas. O Leitor Suposto é um saco de pancadas e tanto, alguns escrevem na suposição de que ele gosta é de ser ofendido, ter as opiniões contrariadas... etc... tudo são maneiras de despertar interesse.

Não vou fazer diferente, também vou pelo teu interesse, mas senta mais confortável que só quero é levar um papo e, entre algumas teorias sobre o tudo, questões cósmicas de premente importância, me divertir com isso. Tenta fazer o mesmo.

Wednesday, March 08, 2006

Primeiro

O primeiro post é algo concreto.
Ou não?